Raptado

L. A. & Cª no meio da revolução

 Cap 10  RAPTADO


 Um carro aproximou-se devagar do edifício do Reactor e parou em frente do maciço de arvoredo onde se encontravam os miúdos. 
 - É o carro do tio Lima! - exclamou o Filipe, tão espantado que se esqueceu por completo que não podia falar alto. 
 O tio Lima era um primo afastado da mãe dos gémeos, vinha jantar muitas vezes a casa deles e, por coincidência, colega de trabalho do Dr. Barroso. Nunca casara e não tinha filhos, por isso tinha uma predilecção especial pelos gémeos. 
 - Não pode ser! No escuro os carros parecem-se todos uns com os outros! - o Luís, aflitíssimo e em surdina, tentava acalmar as hostes. 
 - E tu és um nabo! Até parece que não percebes nada de automóveis! É o carro do tio Lima, pois! - o Filipe, excitadíssimo, mal podia conter o tom de voz. 
 Do carro saía, naquele momento, um sujeito alto, de bigode, barba e cachimbo. Não havia dúvidas. Era o Eng. Lima. 
 O Filipe não aguentou mais. Saiu do esconderijo e correu na direcção do tio. Mas, de repente, estacou. É que por trás do bigode, da barba e do cachimbo parecia estar uma cara que não era a do tio! Não teve tempo de reflectir; sentiu uma dor, levou a mão à cabeça, deu uns passos atrás e caiu no chão, desmaiado, por sorte atrás de outro arbusto. 
 Os outros três tinham assistido a tudo sem poderem fazer nada. Quando o Filipe correu para aquele que parecia ser o Eng. Lima, saíra do outro lado do carro um indivíduo gordo e baixinho que, por trás, lhe aplicara um valente golpe na cabeça! 
 Mas o Nuno, ao ver o irmão cair, desamparado, no meio das ervas, não aguentou e correu em seu socorro. Foi logo apanhado pelo indivíduo gordo! Era evidente que o tinham confundido com o irmão, caído atrás do arbusto. Agarraram-no, taparam-lhe a boca com um lenço e enfiaram-no dentro da mala do carro. 
 Foi tudo tão rápido que o Luís e a Ana ficaram imobilizados pelo medo. 
 Houve um momento de hesitação entre os dois homens. Falavam em voz tão baixa que era impossível perceber-se o que eles diziam. O "Eng. Lima" ainda se dirigiu para os arbustos, fazendo girar uma lanterna em várias direcções, mas desistiu quase logo. Era evidente que dispunha de muito pouco tempo e qualquer manobra mais ruidosa poderia chamar a atenção dos guardas que estavam  ali, a muito poucos metros de distância. Os miúdos, esses, sentiam-se quase transformados nos arbustos em que se escondiam. Até lhes parecia que tinham deixado de respirar. 
 Entretanto o suposto tio dos gémeos deslizara até ao edifício do reactor e, servindo-se de uma gazua e da lanterna, abrira com facilidade a porta principal. O gordo  sentara-se outra vez no carro e acendera um cigarro, enquanto esperava. Notava-se que estava muito atento aos barulhos que vinham da mala do carro. Era o Nuno que estrebuchava o mais que podia mas, sozinho, não conseguiria soltar-se.

Atrás das moitas, nenhum deles sabia o que fazer. Estavam demasiado afastados uns dos outros para poderem planear qualquer coisa e, também, muito assustados e chocados com a situação. Era evidente que aquele desconhecido alto que desaparecera dentro do edifício não era o Eng. Lima, que conheciam tão bem, embora no escuro parecesse  igual. Quem seria?! 
 Entretanto, trazendo uma pasta, o "Tio-Engenheiro", saía agora do edifício. Trocou algumas palavras com o outro sujeito, voltou atrás para fechar a porta, deu a volta ao carro para se certificar que a mala estava bem fechada e o carro arrancou na direcção da Portaria. Ouviram-no abrandar e de novo acelerar, desta vez a toda a velocidade. Depois fez-se um silêncio total. 
 - Filipe! Estás aí, pá?! - era a voz do Luís, que saía, abafadíssima, do meio de um  cedro. 
 - Meu Deus! Que fazemos agora?! Nem consigo acreditar no que aconteceu! - a vozinha da Ana também soava muito esquisita. E não me consigo mexer! - gemeu. - Tenho  o corpo todo a dormir! 

 

 

O Luís foi o primeiro a sair do meio dos arbustos. Se houvesse um pouco mais de luz, a Ana teria apanhado um susto porque o irmão não aparentava ter pinta de sangue. Não conseguia sequer articular palavra. Parecia hipnotizado. 
 - Tens a certeza que não estamos a sonhar? - a voz da Ana tremia. Aproximou-se do Filipe e começou a limpar-lhe a roupa das folhas. "E agora?" Diziam os olhos da Ana, procurando o irmão. Não conseguia dizer mais nada. Sentou-se no chão, pôs a cabeça do Filipe no seu colo e começou devagarinho a esfregar-lhe  a cara com as duas mãos. Aos poucos o Filipe parecia voltar a si. 
 - Filipe! Filipe! - chamaram os dois. - Estás melhor? 
 - Tenho a certeza que não era o Tio Lima ... - respondeu o amigo à guisa de resposta, com uma voz muito fraquinha. -  Se fosse ele não me deixava cair. Mas o que é que me aconteceu? Onde ... onde está o meu irmão? Onde está o Nuno? 
 O Luís ajudou-o a levantar-se e passou o braço do amigo sobre o seu ombro. 
 - Aconteceu uma coisa terrível - gaguejou. - Parece ... Parece ... O teu irmão foi raptado pelos bandidos! - e segurou-o com mais força porque o Filipe ameaçou cair outra vez. 
 - Mas nós vamos libertá-lo, está descansado! - acrescentou a Ana, recuperando o fôlego e ajudando o irmão a segurar o Filipe. 
 - Olhem ... ali! - e o Luís apontou para um ponto no chão. No sítio em que o carro parara estava um bloco pequenino, daqueles de apontamentos, meio amassado. 
 - Vamos levá-lo! - disse a Ana. - De certeza que tem impressões digitais! 
 - Sim, de certeza que é deles! Deve ter caído do bolso do gordo quando ... - e o Luís não teve coragem de acabar a frase, porque a cara do Filipe metia pena.

 Precipitaram-se para o bloco. Assestaram as lanternas e com a ajuda do luar puderam ver que era um bloco vulgaríssimo, meio sujo e a que faltava já grande parte das folhas. Naturalmente, uma das rodas passara-lhe por cima, porque se notavam as marcas do pneu. 
 - Azar! Não tem nada escrito! - continuou o Luís, folheando o bloco. - Todo em branco! 
 - Não faz mal! Entregamo-lo à polícia! 
 - À polícia? Àqueles inteligentes que andaram lá por casa e não descobriram nada? Vamos mas é procurar nós as impressões digitais. Os gémeos têm umas poucas de lupas. - concluiu o Luís.
 - O.K., vamos depressa para casa e, quando chegarmos, pensamos melhor no que havemos de  fazer! - disse o Filipe.  
 - Tenho a certeza que aquele bloco nos vai dar uma pista! Vais ver, vai ser a nossa salvação! - a Ana, já mais calma, tentava, sem saber muito bem como, animar o Filipe. 
 - Que bestas! - articulou este, por fim. O sangue começava a voltar-lhe à cara. - Que raio de plano diabólico! Chegarem ao ponto de se fazerem passar por outras pessoas ... Mascararem-se assim! Grandes brutos! Por uma porcaria duns papéis velhos! 
 Corriam agora pelo mesmo atalho por onde tinham vindo. Depois do enorme abalo que todos tinham sofrido, a corrida fazia-os sentir vivos e voltavam a si. Filipe parecia ter recuperado e corria um pouco mais à frente. Tinha perdido a lanterna e os outros dois ouviam-no falar sozinho, sem parar, deixando escapar palavrões. De vez em quando, viam-no lutar com um adversário invisível, dando murros e pontapés no vazio. 
 - Deixa lá, faz-lhe bem ... ao menos vai desabafando - disse o Luís, segurando a irmã. 
 - Tens razão, claro, mas faz-me tanta pena ... Coitado do Nuno! Onde estará ele agora? E como se sentirá? Tomara que  não lhe façam mal! 
 - Vocês acham que podemos descobrir quem são aqueles bandidos pelas impressões digitais? - o Filipe voltara-se de repente para trás enquanto corria. Parecia que não ia a dar ouvidos à conversa dos outros dois e, afinal, saía-se  com aquela. 
 - Claro, claro, de certeza! - responderam, à uma, o Luís e a Ana. 
 Estavam já muito perto de casa. As ruas pareciam adormecidas mas, estacionado quase à porta do prédio deles, um carro atroava os ares com o rádio, ligado muito alto. Dentro, duas pessoas conversavam. 
 - Como é que se pode namorar assim, com o rádio aos berros? - interrogou-se Ana, entrando em casa. 
 Mas, os três amigos, ainda puderam ouvir o anúncio do sinal horário, que saía muito distintamente de dentro do carro: "Faltam cinco minutos para as vinte e três horas". 

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