SPÍNOLA EM TOMAR
(3/6/74)
Discurso do Presidente da República, general António de Spínola em Tomar, em 3 de Junho de 1974:
Bom Povo de Tomar. Vivo convosco esta hora grande de entusiasmo, a hora de encontro com um Portugal renovado, a hora da democracia, da liberdade e da justiça social. Como primeiro servidor de uma nova sociedade portuguesa, já legitimada pela inequívoca adesão à liberdade que lhe foi restituída, cumpre-me o indeclinável dever de vos acautelar contra todos aqueles que, directa ou indirectamente, estão empenhados em minar o ideário democrático que presidiu ao Movimento das Forças Armadas.
Estamos a iniciar os primeiros passos no caminho da democratização, da justiça social, do trabalho e da paz. Mas haverá que distinguir, desde já, a verdadeira democracia das ideologias que, a coberto de um falso conceito de liberdade, nos podem conduzir a regimes políticos bem mais despóticos do que o derrubado em 25 de Abril.
É bom que o Povo Português se não deixe iludir pela jovem embriaguez dos vivas à liberdade e à democracia, que muitas vezes cria um ambiente propício à entrada da contra-revolução. Passado o clima emocional dos primeiros momentos, é chegada a hora de tomada da consciência colectiva do Povo Português. Pelo recolhimento da sua intimidade deverá reflectir friamente sobre a realidade económica do País em que vive sob a pena de caminhar para uma crise de desemprego com todo o seu dramático cortejo de privações e de misérias. É bom, portanto, que o Povo Português se não deixe atordoar pela liberdade que lhe foi devolvida, porque, se tal suceder, cedo ou tarde, outros lha virão roubar.
A verdadeira liberdade não consente intimidações ou violência para sermos livres, para concordar ou discordar, mas ninguém pode ser livre para violentar a consciência do seu semelhante. Queremos de facto um País livre, digno e ordeiro e não uma absurda democracia que nos leve ao caos. Queremos um Portugal próspero, prestigiado e ocupando o seu verdadeiro lugar no mundo. Aqui mesmo em Tomar o povo desta terra algumas vezes disse corajosamente «não» aos reis de Portugal. Mas hoje chegou o momento de o povo de Tomar dizer «não», desta vez àqueles que procuram sabotar o processo de democratização em curso. Temos de nos habituar a consolidar a liberdade conquistada. Escutemos, analisando, observando, criticando construtivamente, formando opiniões, mas acautelando-nos das manobras dos oportunistas, buscando se são viáveis as promessas falsas aliciantes ou se, pelo contrário, não passam de meros processos demagógicos utilizados para fins inconfessados.
A ambição humana, a ambição do poder é de todos os tempos e a consciência política dos cidadãos deve levar-nos a saber distinguir se outras correntes em presença, as que servem verdadeiramente o povo e os que apenas desejam servir-se dele para alcançar posições de mando.
É esta a consciência política que a pouco e pouco se impõe tomar. E ao sentir o calor do vosso acolhimento mais se me radica no espírito a convicção de que o Povo Português saberá escolher por si o que lhe serve repudiando a palavra vazia dos falsos arautos da liberdade. Bem hajam por esta hora alta de clara afirmação da indestrutível vontade de um povo que deseja conseguir a paz e sobretudo uma nação livre e digna.