SPÍNOLA NO ALFEITE
(11/7/74)
Não é sem emoção que me dirijo a tão largo contingente da gloriosa Armada Portuguesa: Armada que ao longo da História da Pátria esteve sempre presente nos momentos difíceis. Recordo aqui a África de antanho, onde nos levaram os marinheiros; foram eles que, deixando os seus navios, se embrenharam nos matos africanos com artilheiros, cavaleiros e infantes, escrevendo na História do mundo de então as mais brilhantes páginas de que se pode orgulhar uma Pátria. Foram esses mesmos marinheiros que estiveram presentes nas horas grandes de Portugal. Recordo-os no 5 de Outubro, comandados pelos mais prestigiosos almirantes, que conquistaram o seu prestígio nos matos africanos, alinhando entre os maiores da nossa Pátria. Recordo neste momento Afonso Cerqueira, recordo Naulila, Cuamato, Môngua, e tantos outros passos da nossa História. Recordo especialmente o combate de Môngua onde depois de vários dias de cerco, depois de aniquilada a Cavalaria, a força da Marinha, reforçada com algumas unidades de Infantaria sob o comando do heróico Afonso Cerqueiar, saiu do quadrado e enfrentou milhares de africanos armados por países inimigos. Assim se transformou em brilhante vitória o que poderia ter sido uma chacina. Recordo o seu regresso ao quadrado, transportando aos ombros os seus mortos e cantando a Portuguesa.
E nos tempos mais próximos recordo a acção da Marinha no Ultramar. Passei há pouco revista à vossa guarda de honra e curvei-me perante medalhas que vi nos vossos peitos honrados de portugueses; curvei-me perante simples distintivos nos vossos braços, em que cada sinal representa um período de exaltação do amor à Pátria, de sacrifícios, de perigos, na continuidade da gesta heróica dos vossos Maiores.
Tudo isto vem ao meu espírito nesta hora grande de emoção em que falo a marinheiros e fuzileiros.
Igualmente esteve presente a Armada e teve acção preponderante no já longínquo 5 de Outubro, nas horas da reconquista da liberdade; e esteve presente no 25 de Abril, outra hora de liberdade. E neste momento de crise, em que a Pátria continua doente, não é preciso expressar-me melhor; a nossa Imprensa tem-se encarregado de mostrar bem que a hora que vivemos é uma hora crítica. Mais uma vez terá de estar presente, no conjunto das Forças Armadas, a gloriosa Armada Portuguesa.
A hora é particularmente difícil, sobretudo para nós; deixai-me ter a honra de me incluir na vossa formatura, como combatente. Não apenas combatente de ideias, mas combatente de facto, naquele mato silencioso que todos vós conheceis; naquele mato em que nunca sabemos se o passo que estamos dando é o último da nossa vida; naquele mato onde se passa do silêncio ao ruído da metralha, da vida à morte. Nesses grandes momentos, se há homens que crescem há outros que desaparecem; e é nesses momentos que os valentes conquistam o direito à admiração dos homens e ao reconhecimento da Pátria.
É esta a minha saudação a todos os que, de entre vós, se distinguiram como os melhores e que podem ostentar orgulhosamente ao peito as suas condecorações, como portugueses, militares e marinheiros.
Eis o que me ocorre dizer-vos com o coração a sangrar, neste momento de desorientação e de inversão de valores; valores que tantas vezes tenho visto pôr em causa em letra redonda, confundindo-se heróis com traidores e esquecendo-se a História, os nossos Maiores, o sangue generosamente derramado pelos nossos irmãos de armas na defesa da Pátria.
Pois bem, marinheiros e fuzileiros: a Pátria continua doente; a Pátria continua em perigo. E vós, que podeis orgulhosamente ostentar as vossas medalhas, vós que em África fostes os melhores entre os melhores, tendes de assumir as vossas responsabilidades. Tendes de continuar a ser os melhores na Pátria-Mãe, cuja sobrevivência está em causa e que a todos nós compete defender, para que possamos entregar aos vindouros, valorizado e dignificado, o que herdámos dos nossos antepassados. Não é altura de negar o passado; a Pátria não se nega - a Pátria dignifica-se na recordação dos nossos maiores e dos nossos heróis. Temos de aceitar a evolução e a nossa integração no mundo moderno; temos de aceitar os condicionalismos da hora que vivemos; mas jamais poderemos negar o que fomos. Poucas vezes terei oportunidade de o repetir, pois, para o dizer, é necessário estar perante uma instituição como a Armada, efectivamente e desde sempre ligada à História da Pátria, tanto no mar como na terra.
Termino, marinheiros e fuzileiros, com os meus votos de que, num momento difícil da nossa História, Portugal fique mais uma vez devendo a sua sobrevivência, a sua independência e a sua autêntica liberdade às Forças Armadas onde se integra a nossa gloriosa Armada. A estes votos junto, como combatente, a minha certeza de que, tal como nos matos da Guiné, não viráreis a cara, pois desta vez é a Mãe-Pátria que está em causa.