Coleções - Legislação - A posse do II Governo Provisório (18/7/74)

A POSSE DO II GOVERNO PROVISÓRIO
(18/7/74) 
DISCURSO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA ANTÓNIO DE SPÍNOLA

A hora que vivemos não se compadece com formalismos de circunstância nem simples expressões de cortesia, com que é hábito sublinhar actos desta natureza. Todos temos plena consciência de que o momento é de acção e não de retórica, a reclamar por isso medidas inadiáveis que as palavras tantas vezes retardam. Limitar-me-ei, portanto, a destacar a reconhecida estatura moral e intelectual do coronel Vasco Gonçalves e o facto de ser o cérebro da Comissão Coordenadora do Movimento das Forças Armadas e, como tal, o primeiro responsável pelo seu ideário. A sua presença na chefia do Governo e a inclusão de elementos das Forças Armadas no elenco governativo, prestando serviço não como políticos mas como cidadãos plenamente conscientes dos poderes e deveres que para eles decorrem do código de honra militar, são penhor seguro de que se manterá a pureza dos objectivos do Movimento e de que, por conseguinte, não serão ultrapassadas as metas fixadas no respectivo programa. Garantia, aliás, reforçada pelas próprias Forças Armadas, que no seu todo coeso e unificado, em torno dos ideais nacionais, não consentirão, seja a quem for, que se permita alterar o desenvolvimento do processo de democratização em curso.
Mas este acto de posse ocorre no momento em que a maioria dos Portugueses olha o futuro com apreensão; e por isso mais amplo terá de ser o conteúdo do que me sinto no dever de transmitir ao Governo e à Nação.
O País viveu, nestes últimos dois meses, uma intensa experiência sobre o que é e o que não é liberdade e democracia, experiência suficientemente válida para que tenha tomado consciência da gravidade das ameaças que enfrentamos e formado um juízo perfeitamente claro da situação.
Ao constatar a perfeita orquestração dos excessos que se repetem por toda a parte; ao constatar ser impossível atribuir a reacções espontâneas a inversão de toda a ética a pretexto da liberdade, inversão a que se assiste quotidianamente nas ruas, nas empresas, nas escolas e até em sectores da função pública de alta responsabilidade social; ao analisar, enfim, todo este quadro de flagrante anomalia, ressaltam à 'evidência as Unhas linhas de força que estão na origem da situação a que urge pôr cobro, pois encontram-se em jogo o prestígio do povo português e a liberdade de que desejamos usufruir.
Creio não ser necessário documentar quanto afirmo, pois a grande maioria dos Portugueses decerto bem o reconhece. Mas importa que a ameaça seja enfrentada a tempo, pois não poderemos consentir que à sombra da liberdade se instalem ditaduras; nem poderemos consentir que se continue a atribuir apenas às forças da reacção as origens dos desmandos que a pouco e pouco começam a revelar o contexto 'em que se inserem. Não se fez uma revolução para que o poder apenas passasse de um extremo a outro à custa do povo português. E não tenhamos, a tal respeito, qualquer ilusão. Ou a maioria silenciosa deste País acorda e toma a defesa da sua liberdade, ou o 25 de Abril terá perdido perante o Mundo, a História e nós mesmos o sentido da gesta heróica de um povo que se encontrou a si próprio. E com esse desengano se esfumarão as nossas esperanças na democracia.
Não cabe aqui traçar o perfil do homem social em que se terá de moldar a sociedade portuguesa, pois ao esboçá-lo estaríamos desrespeitando a ética da missão que aceitámos. Serão os Portugueses quem há-de defini-lo em consenso; mas para tanto impõe-se que sejam de facto os Portugueses a traçá-lo e não terceiros e determiná-lo; e que seja português o contexto em que esse perfil haja de recortar-se.
Mas se tal definição não cabe na nossa ética, urge, todavia, delinear o perfil do que firmemente desejamos não ser. B E creio que o pensamento do povo português poderá ser resumido na afirmação de que os cidadãos, independentemente do pendor político da sua preferência, não desejam uma sociedade em que, de um modo ou de outro, apenas beneficiem uns tantos; não desejam a sua liberdade coarctada senão pelas leis que votaram; não desejam que a desordem anárquica os lance no desespero da luta pela subsistência; não desejam viver no pesadelo da dúvida sobre um futuro ameaçado pela constante insegurança cívica e social; não desejam a vida dos seus filhos destruída pela perversão dos valores que constituem fundamento moral da dignidade humana; não desejam, enfim, que em nome da liberdade os lancem de novo em outras formas, bem mais cruéis, de escravidão.
Toda a sociedade política moderna pressupõe como condição essencial da sua existência o claro respeito do pacto social consubstanciado na disciplina cívica e na obediência à lei, legitimada esta pelo processo democrático da sua formação. E, sendo assim, terá de considerar-se a anarquia como crise contra a existência dessa sociedade e, como tal, grave ofensa das pessoas e dos bens que à mesma sociedade compete proteger. Importa, portanto, garantir o respeito pela lei, que o mesmo é dizer, a disciplina cívica.
Não pode reconhecer-se, todavia, como norma o primado da lei em abstracto, pois há que distinguir entre mera legalidade e autêntica legitimidade; só à luz desta distinção é possível construir a democracia e conquistar a liberdade. Temos capacidade para o fazer; mas só o conseguiremos quando houvermos institucionalizado o processo democrático de discutir e votar, conferindo depois ao poder mandatário a força necessária para impor a decisão, então tornada simultaneamente legal e legítima.
Não tenhamos ilusões a tal respeito -– não seremos uma democracia enquanto não institucionalizarmos o processo de decidir; e jamais o conseguiremos em clima de anarquia. A via da democratização passa, assim, pela mais sã disciplina cívica; e desse modo todo o atentado contra tal disciplina terá de ser encarado, pelo consenso da Nação, como crime de lesa-liberdade e de lesa-democracia. Disciplina que não pode consentir que seja quem for exorbite do seu estatuto social para, sob a capa da liberdade, atentar contra os direitos do seu semelhante ou se atribuir pretensas missões de saneamento que ultrapassam o quadro legitimo das prerrogativas conferidas pelo pacto social.
O clima em que temos vivido terá, pois, de terminar, na medida em que por essa via não poderemos construir o País livre, democrático, digno e próspero em que os Portugueses desejam viver, nem alcançaremos os objectivos de paz, de liberdade e de justiça social para que despertámos na madrugada de 25 de Abril. Objectivos que alguns estão empenhados em ignorar; pois há quem esqueça que as mudanças de que o País carece deverão processar-se, nos termos do Programa do Movimento das Forças Armadas, sem convulsões internas que afectem a paz, o progresso e o bem-estar dos Portugueses; há quem esqueça que, até ao momento em que o povo manifeste democraticamente a sua vontade perante as opções fundamentais que só a ele cabe tomar, nenhum Governo poderá proceder a reformas de fundo que afectem as estruturas da Nação e o foro íntimo dos cidadãos, sob pena de exorbitar do mandato conferido; e há, enfim, quem esqueça que o 25 de Abril se situou, com inteira clareza, na via da salvação da Pátria pela democratização da vida política nacional, sem procurar implantar este ou aquele sistema de governo.
Propusemo-nos construir no mais curto prazo a democracia em Portugal e construí-la-emos. Propusemo-nos resolver os mais prementes problemas nacionais e resolvê-los-emos. Propusemo-nos abrir caminho à dignificação do povo português pela perfeita e cabal realização de cada cidadão mediante a sua participação na vida política da comunidade, e assim procederemos.
Propusemo-nos, em s(c)uma, consolidar as liberdades fundamentais e acelerar o progresso económico e social e não abdicaremos dos compromissos tomados.
Neste programa cabem todos os esforços, desde que construtivos, e todas as correntes de opinião desde que eminentemente nacionais e aprovados em consenso. Mas não podem caber nele os defensores da exploração do homem pelo homem, seja em nome da supremacia do Estado autocrático, seja em nome de ditaduras de classe, seja ainda em nome da ausência da lei arvorada em regra de conduta.
Não creio que alguém conteste que não se pode ser livre senão sendo responsável. Mas a responsabilidade é uma relação jurídico--social que pressupõe a existência de alguém com poder para exigir e com força para fazer respeitar as obrigações dela emergentes. Esse alguém, nas sociedades políticas, é o Estado. Daí que, sendo a responsabilidade um requisito essencial da liberdade, esta, tal como a democracia, não pode existir quando o Estado é fraco. Porque, não nos iludamos: o Estado ou é forte ou não é Estado. Não cabem pois neste nosso processo de construção da democracia e de conquista das liberdades cívicas quantos pela irresponsabilidade pretendem destruí-las servindo interesses partidários que se não contêm nas fronteiras morais da Nação.
É a esta luz, srs. ministros, que nos compete governar, com a coragem moral e física necessária para levar a cabo a missão de instaurar a democracia e restituir a liberdade ao povo português.
A situação de ausência e incerteza de lei em que temos vivido não pode prolongar-se; e à tentação de promover reformas profundas através de leis demoradamente discutidas e indefinidamente proteladas, terão de sobrepor-se o imperativo da oportunidade e o sentido das limitações impostas pelo Programa do Movimento das Forças Armadas. Ao Governo Provisório compete, com oportunidade e eficácia, legislar em excepção para um período de excepção, procurando, é certo, a mais perfeita adequação da norma ao facto a que se aplica, mas na justa medida dos imperativos do momento. Ao repudiarem-se as leis do antigo regime antes de elaboradas as novas, orlacria-se um estado de ausência de lei que pode conduzir ao fim da democracia.
Terá assim de ser definida e anunciada, sem mais demora, a política geral a prosseguir, em cada departamento, com firmeza e determinação que confiram a cada cidadão a perfeita consciência da lei em que vive; política que terá de confinar-se ao Programa do Movimento das Forças Armadas, além do qual se situa qualquer tentativa reformista de fundo e qualquer esforço de transformação radical das estruturas sociais.
Haverá que regular aspectos fundamentais, como o estabelecimento de novos mecanismos de conciliação nos conflitos do trabalho, o direito à greve, a organização sindical dos trabalhadores e do patronato, a actividade industrial e a constituição dos partidos políticos, tendo em mente que se impõe a publicação imediata de medidas legislativas sobre tais matérias. E não será impertinente recordar que um governo deve ser, acima de tudo, uma equipa coesa e eficaz, onde não caibam negativismos sistemáticos, demagogias visando popularidade fácil e, muito menos, disciplinas partidárias atentatórias dos verdadeiros interesses nacionais.
A democratização do País, garantida a todo o transe pelas Forças Armadas, irá prosseguir num leque de ampla abertura a todos os partidos políticos, com exclusão apenas daqueles que ameacem o exercício das liberdades que propugnamos ou visem finalidades anti-nacionais. Só por essa via alcançaremos o verdadeiro estatuto de
Nação livre e a dimensão de país civilizado no contexto geopolítico em que nos inserimos.
Eis quanto entendi que deveria dizer neste momento. Usei a linguagem rude que o respeito pela verdade põe na boca e no coração doa militares. Não sou nem desejo ser um político - sou um soldado que apenas cumpre mais uma missão ao serviço da Pátria. Mas creio que o povo entende esta linguagem, como creio interpretar a sua sã consciência ao afirmar serem estas as palavras que a Nação deseja ouvir.

DISCURSO DO PRIMEIRO-MINISTRO VASCO GONÇALVES

Ao assumir, por designação do Senhor Presidente da República, as funções de primeiro-ministro, desejo reiterar a V. Exa. e ao povo português e decisão inabalável de cumprir escrupulosamente o Programa do Movimento das Forças Armadas, cuja proclamação solene ao País, em 25 de Abril, abriu o caminho para a construção de um Portugal verdadeiramente livre e democrático.
É habitual, em cerimónias como esta, definirem-se as linhas mestras que terão de presidir à acção executiva do Governo.
Tendo por base a plataforma programática do Decreto-Lei 203/74, de 15 de Maio de 1974, o Governo debruçar-se-á, prioritariamente, na definição precisa, concreta e sem ambiguidades das linhas políticas que regerão o País em todos os aspectos da vida nacional durante o período do Governo Provisório.
Desejo enunciar, e porque tal constitui tarefa fundamental, a firme decisão de impor, desde já, uma séria moralização da vida nacional, como condição básica para a tomada de medidas que a actual situação económica e social do País exige, para o prestígio das instituições públicas que deverão dispor de um crédito de confiança perante o País.
Na definição da política económica portuguesa, que necessariamente tem de estar ao serviço do povo português e, muito particularmente, das camadas mais desfavorecidas, ter-se-ão em consideração as potencialidades do Estado e da iniciativa privada, cuja adesão, sem ambiguidades, ao esforço de reconstrução nacional é condição necessária à modernização da economia e ao progresso da sociedade portuguesa. Tal significa que se espera dos empresários um alto sentido de responsabilidade nacional, nesta hora grave e decisiva que atravessamos.
Pela parte do Governo, tudo se fará para que o clima de confiança, que a livre iniciativa requer, se estabeleça desde já no integral respeito pelos superiores interesses nacionais. Neste contexto, convém clarificar certas ambiguidades surgidas ultimamente em torno do problema da viabilidade das chamadas «reformas de fundo». Efectivamente, o Programa do Movimento das Forças Armadas não permite a efectivação de transformações radicais ou revolucionárias da estrutura socioeconómica da sociedade portuguesa; contudo, nem da letra nem do espírito do referido programa se pode concluir que não possam desde já ser adoptadas as medidas que se julguem necessárias para acelerar o progresso económico-social, melhorar as condições de vida do povo português e aproximá-lo dos níveis dos outros povos da Europa.
A realização desta política económico-social não será, porém, possível se não se instaurar, desde já, um clima de trabalho, com a mobilização plena de todas as potencialidades humanas e materiais deste País. Sem trabalho árduo de todos os portugueses, sem um esforço gigantesco a todos os níveis (Estado, empresários e classes trabalhadoras), no projecto de reconstrução e modernização nacionais, que deve ser o lema instalado na cabeça de todos nós, jamais será levado a cabo o desenvolvimento do País. Simultaneamente, todos teremos de viver, durante este período, em atmosfera de autêntica austeridade, gastando menos no supérfluo e poupando quanto possível para aplicação no esforço global de investimento, que a todos, mas a todos, diz respeito.
Nesta tarefa de reconstrução nacional tem papel fundamental a esclarecida e lúcida acção de todos os meios de comunicação social. A objectividade e sentido das grandes responsabilidades nacionais dos trabalhadores da Informação, desde os tipógrafos aos directores dos jornais, passando pelos redactores, serão um poderoso estímulo para a educação e mobilização de vontades, na edificação de um Portugal novo.
A missão da Imprensa é formativa e informativa, ambos esses aspectos têm a sua pedagogia. A acção pedagógica da Imprensa é fundamental para a consciencialização e democratização do povo português. É um dever de honra de todos os trabalhadores de Imprensa. De contrário, não contribuirá para a edificação da democracia, mas para a confusão dos espíritos, agravando desse modo a pesada herança de 48 anos de obscurantismo sistemático.
Finalmente, a Imprensa deve criticar, livre e conscientemente, a vida nacional. Pela sua crítica construtiva, responsável, vigilante e serena, contribuirá para a edificação do Portugal renovado.
Em tarefa semelhante devem participar os partidos políticos e as associações cívicas.
As eleições ainda vêm longe; até lá, e dentro do estrito cumprimento do Programa do Movimento das Forças Armadas, há uma ampla acção pedagógica a executar: ensinar o povo português a viver em democracia, onde quer que ele esteja e qualquer que seja a sua condição. Esclarecer, fazer compreender as relações político-económico-sociais, trazer ao de cima o que une o povo e não o que o divide, ensinar os caminhos que, no entender de cada um, são os melhores para o futuro do País, defender o povo das agressões ideológicas partidárias, respeitarem-se mutuamente, não se lançarem em querelas que desacreditem o esclarecimento político e social e que façam o povo fugir dos «políticos». O povo precisa de ser esclarecido, ensinado. Todos os partidos têm nisso o mesmo interesse. Porque não unirem os seus esforços nessa indispensável campanha de ensino?
A liberdade, como dizia Almeida Garrett há cerca de 150 anos, «só se aprende com a prática». A prática conduz a erros que devem ser corrigidos. Alguns desses erros estão bem à vista em certas actuações desregradas que temos observado. Pois é aos partidos políticos, sem distinção de credos, que compete um importante papel na análise e correcção desses erros, fazendo deles outras tantas lições para o povo.
Já se notam, por vezes, indícios de que há lutas partidárias que não contribuem para a unidade mas para a divisão dos Portugueses. Não é por este caminho que se conquista e consolida a democracia. Neste momento, todos os partidos políticos e associações cívicas se devem unir para consolidar e defender a democracia em Portugal, para fortalecer a unidade do Povo e das Forças Armadas, condição indispensável de paz social e de progresso nacional.
Não desejamos, nem admitimos de modo algum, um regresso ao triste passado de antes de 1926.
O que pedimos, portanto, aos partidos políticos e associações cívicas e outras: uma acção pedagógica sistemática, de modo que o Povo possa ser conduzido conscientemente às eleições para a Assembleia Constituinte.
O que está em jogo é o futuro da nossa Pátria e não quaisquer interesses partidários.
Duas palavras sobre a posição dos militares em relação à política. Os militares têm um programa político, o do Movimento das Forças Armadas, e nada mais. Este programa é um programa de isenção, apartidário, sobre o qual os militares se comprometeram por sua honra.
Assim, nós pretendemos firmemente cumprir esse programa, com toda a fidelidade, abdicando das ideias próprias que cada um possa ter, para se empenhar, com a máxima isenção e pureza, na realização prática do que se propuseram os camaradas que na madrugada do 25 de Abril tudo de seu ofereceram à nossa Pátria.
E dentro desta linha estaremos sempre atentos a quaisquer tentativas de desvio ao Programa do Movimento das Forças Armadas, venham elas de onde vierem. É preciso que o País o saiba sem ambiguidades. Não haverá desvios ao Programa do Movimento das Forças Armadas, pois ele possui a flexibilidade suficiente para permitir o progresso, sem forçar transformações radicais do sistema socioeconómico em que vivemos.
Finalmente, não posso deixar de referir a questão ultramarina.
O Programa do M. F. A. prevê com toda a clareza o lançamento dos fundamentos de uma política ultramarina que conduza à paz. Esse lançamento foi feito logo após o 25 de Abril. O sr. Presidente da República, no seu discurso, aquando da tomada de posse dos novos governadores de Angola e Moçambique, definiu os princípios que presidem à nossa política de descolonização.
Recentemente, o Conselho de Estado aprovou uma lei constitucional que, completando e esclarecendo o pensamento que presidiu ao Programa do M. F. A. (ver n.° 8 das medidas a curto prazo), reconhece o direito dos povos à autodeterminação, com todas as suas consequências, incluindo o direito à independência.
Neste complicado processo de descolonização, é necessário ter presente que:
- As conjunturas político-económico-sociais nos territórios da Guiné, Angola e Moçambique são diferentes, bastante diferentes, entre si;
- Necessitamos de manter sempre a iniciativa, sem nos deixarmos ultrapassar pêlos pelos acontecimentos;
- É necessário acautelar, no início do processo de descolonização, os diversos interesses dos povos em presença, tendo consciência de que Portugal não pode enjeitar, antes pelo contrário, tem responsabilidades históricas a honrar em relação aos povos da Guiné, Angola e Moçambique;
- Esforços têm sido feitos desde 25 de Abril pelo sr. Presidente da República e pelo Governo Provisório, no sentido de resolver, no mais curto prazo de tempo, este problema, tendo em atenção todos os seus condicionamentos, na mais pura e sincera determinação de ser obtido um cessar-fogo e de ser iniciado um processo justo de descolonização, sem ambiguidades e que não conduza a soluções neo-colonialistas.
Mas tudo tem o seu tempo de gestação, não se podem resolver de ânimo leve assuntos de tanta responsabilidade. Progressos apreciáveis, soluções à vista, se têm obtido em negociações; contudo, elas não podem ser conduzidas, regra geral, a céu aberto, nem delas se pode dar conhecimento, amiúde, ao País, por razões óbvias. Julgo poder afirmar, no entanto, que muito em breve o sr. Presidente da República fará uma comunicação ao País que lhe dará satisfação, pelo menos em parte, das suas legítimas ansiedades.
A todos os srs. ministros que aceitaram partilhar comigo o honroso encargo de formar o 2.° Governo Provisório, aquele que há-de levar a carta a Garcia, desejo significar o meu maior apreço e a mais leal amizade.
Certo que estou da alta capacidade governativa de VV. Exas., permitam-me uma referência de camaradagem aos jovens ministros militares, cuja presença no Governo do País deverá ser entendida como a garantia do mais fiel cumprimento do nosso programa e da consolidação e reforço da democracia.
Sr. Presidente da República:
São estas as palavras de um militar que põe acima de tudo os interesses da sua Pátria; um militar que a coragem e o patriotismo dos nossos jovens oficiais fizeram sugerir a V. Exa. para o cargo de primeiro-ministro. A todos esses meus camaradas dirijo o meu mais afectuoso reconhecimento e a certeza de que a minha investidura foi a consagração do movimento que sonharam, prepararam e realizaram, com os olhos postos na nossa querida Pátria e no nosso querido povo.
São para V. Exa., sr. Presidente da República, as minhas últimas palavras:
V. Exa. também colaborou na redacção do nosso programa, bem como o sr. general Costa Gomes. Empenhou também, como nós, a sua honra no compromisso do Programa do M. F. A.
Por todos estes motivos pode V. Exa. confiar que tudo farei para cumprir a nobre tarefa de que me incumbiu, que toda ela se resume no integral cumprimento do Programa do Movimento das Forças Armadas.

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