AS JORNADAS DE SETEMBRO
DIA 28
1 - Sanches Osório
Na madrugada do dia 28, quando, cerca das 3 horas, a Emissora Nacional voltou a estar no ar, depois de uma interrupção da emissão que durou cerca de duas horas, foi lido aos seus microfones, pelo ministro da Comunicação Social, major Sanches Osório, um comunicado em que era ordenado o imediato levantamento das barricadas feitas pelo povo para barrar a entrada, em Lisboa, dos indivíduos que pretendiam, na Praça do Império, participar na manifestação da «maioria silenciosa».
Era o seguinte o texto Ida comunicação do major Sanches Osório: «O Governo Provisório tem conhecimento que em diversos pontos do País e sobre os acessos a Lisboa estão montadas barricadas para impedir o trânsito de veículos que transportam pessoal que se dirige a Lisboa, a fim de tomar parte na manifestação a Sua Excelência o Presidente da República, que se realiza hoje, dia 28. A fim de salvaguardar a paz e a tranquilidade entre os portugueses, essas barricadas devem ser levantadas imediatamente, permitindo assim o trânsito dos veículos. O Governo Provisório declara que estão asseguradas as condições para que a manifestação a Sua Excelência o Presidente da República decorra com ordem e dignidade. Os portugueses, conscientes do processo democrático em curso, tudo devem fazer para evitar quaisquer confrontos e contramanifestações, das quais poderá resultar derramamento de sangue e um clima de guerra civil que só poderá aproveitar aos que se opõem à actual situação democrática. O Governo Provisório reitera o apelo à ordem e à tranquilidade pública e comunica ao País que tomará as medidas que julga convenientes para restabelecer a ordem.»
2 - Manifestação cancelada
Já ao princípio da tarde do dia 28, cerca das 13 horas, foi distribuído aos órgãos de Informação e lido através da E. N. o seguinte comunicado da Presidência da República:
«Face à alteração dia ordem pública que se verificou durante a madrugada de hoje, não julga Sua Excelência o Presidente da República conveniente que se realize a anunciada manifestação na Praça do Império, a fim de evitar possíveis confrontos.»
Este comunicado começou, nas sucessivas leituras feitas ao longo da tarde, a ser acompanhado de um outro, proveniente da 5.» Divisão do Estado-Maior-General das Forças Armadas, nos seguintes termos:
«Informa-se o País de que a manifestação promovida em nome de uma autodenominada "maioria silenciosa" que teria lugar em Belém, hoje, às 15 horas, foi cancelada. Pede-se à população de Lisboa que se mantenha calma, acatando prontamente as instruções das Forças Armadas e que se afaste do local previsto para a concentração.»
3 - Anunciadas prisões
Entretanto, cerca do meio-dia, o Movimento das Forças Armadas divulgava outro comunicado.
Era o seguinte o seu texto, na íntegra:
«1.° - Tem-se assistido nos últimos tempos a uma escalada da actividade de indivíduos, ligados aos meios mais reaccionários, os quais, não compreendendo a necessidade histórica do Movimento de 25 de Abril, tentam fazer reviver um passado condenado bem claramente pelo povo português e por todo o mundo,
2.° - As actividades desenvolvidas vão desde a manobra sediciosa à criação de um estado psicológico e emocional, passando pelo tráfico de armas e sabotagem económica.
3.° - Com vista a garantir que a marcha para a nova sociedade democrática inequivocamente expressa no Programa do M. F. A. não sofra desvios, foram detidos para averiguações algumas dezenas de indivíduos na madrugada de hoje.
4.° - A operação mencionada no número anterior implicou movimentação de forças militares que, como é óbvio, não podia previamente ser anunciada.
«Tal originou um certo alarme, mas o M. IF. A., continuando determinado no cumprimento do seu Programa, pede serenidade ao País, garantido-lhe que se mantém vigilante e capaz de responder a qualquer manobra da reacção.»
DIA 29
Durante o dia 29, o Movimento das Forças Armadas emitiu diversos comunicados nos quais era reafirmada a unidade das forças populares e democráticas com o M. F. A. O primeiro desses comunicados, difundido da parte da manhã declarava que forças militares e militarizadas iriam ocupar os lugares de piquete onde elementos da população aguentaram a pé firme, durante a noite. Era o seguinte o seu texto:
«Forças militares e militarizadas em estreita colaboração, vão ocupar os tocais de piquete.
«Pede-se & população que tenha total confiança nas referidas forças que irão actuar sob orientação directa do COPCON.
«Mais se pede às forças democráticas, que tanto têm colaborado com o M. P. A., que devem promover a retirada dos piquetes, pois a situação nacional já não Justifica tal estado de mobilização das populações.
«O M. P. A. declara-se intransigentemente defensor dos interesses do povo português e da democracia, e disposto a continuar a reprimir com toda a severidade qualquer tentativa reaccionária.»
1 - Forças controladas pelo M. F. A.
Um segundo comunicado era especialmente dirigido à população da área de Lisboa e nele eram exortadas as populações a cederem o seu lugar, nas barragens que controlavam os acessos à capital, às forças militares e militarizadas que, «controladas pelo M. F. A., garantem o total respeito pelas vitórias alcançadas no 25 de Abril».
Eis o seu texto completo:
«Com a finalidade de evitar possíveis atritos e proceder ao descongestionamento do trânsito, forças militares e militarizadas vão ocupar os locais onde até agora piquetes populares vêm desenvolvendo acções cuja utilidade, a propósito, se regista com agrado.
Pede-se à população total confiança nas forças militares e militarizadas quê, controladas pelo M. F. A., garantem o total respeito pelas vitórias alcançadas no 25 de Abril.
«Acatar as indicações dessas forças é, de momento, o melhor apoio que podem prestar à causa da democracia e à nunca desmentida generosidade da população.»
2 - Cumprimento rigoroso do Programa do M. F. A.
A garantia do cumprimento rigoroso do Programa do M. F. A. e a reafirmação de que a situação estava inteiramente controlada constituíam a matéria de um terceiro comunicado: «O M. F. A., no cumprimento rigoroso do seu Programa e na certeza de interpretar os Sentimentos profundos do povo português, tomou as medidas necessárias para neutralizar as manobras subversivas que visavam derrubar a ordem democrática, instaurada em 25 de Abril.
«Na sequência das medidas tomadas, o M. F. A. informa que controla completamente a situação. A serenidade e a calma são neste momento a melhor forma de a população manifestar a sua confiança na acção desenvolvida pelo M. F. A. no sentido de tornar irreversível a construção da democracia em Portugal.»
3 - Total fidelidade ao povo
A total fidelidade do Movimento das Forças Armadas ao povo foi sublinhada no quarto comunicado:
«O M. F. A. pede às forças democráticas para promoverem a progressiva retirada dos piquetes, dado que a sua manutenção não só já não se justifica como dificulta a acção desenvolvida neste momento pelas F. A. com vista à neutralização completa dos elementos reaccionários que conspiravam contra a ordem democrática.
«O M. F. A. reafirma a sua total fidelidade ao povo e a sua disposição de cumprir rigorosamente o seu Programa de democratização do País.»
4 - Reacção: único inimigo da democracia
Um comunicado do M. F. A., emitido da 5." Divisão do Estado-Maior-General das Forças Armadas, informava mais tarde a população de que estava a decorrer uma reunião entre a Comissão Coordenadora do Movimento das Forças Armadas e a Presidência da República:
«Está neste momento a decorrer uma reunião entre a Comissão Coordenadora do M. F. A. e a Presidência da República.
«Procura-se, em face dos últimos acontecimentos, extrair as consequências políticas lógicas da situação de facto criada. O M. F. A. continua atento e vigilante a todas as manobras reaccionárias, venham elas de onde vierem.
«Não podem restar dúvidas a ninguém, e muito menos ao M. F. A., que o verdadeiro e único inimigo da democracia e do espírito do 25 de Abril é a reacção e os seus agentes.
«Pede-se a toda a população que coopere e confie no poder de decisão dos representantes do M. F. A., intérpretes das aspirações do povo português, de que são parte integrante.»
5 - Medidas concretas contra a reacção
A tomada de medidas concretas destinados a reforçar e garantir a continuação da democratização do País foi anunciado através de um comunicado da Comissão Coordenadora do Movimento das Forças Armadas, lido pelo tenente Duarte Lima.
Dizia esse comunicado:
«Na reunião realizada entre S. Exa. o Presidente da República, o chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e a Comissão Coordenadora do Programa do M. F. A. foram acordadas medidas concretas para reforçar e garantir a continuação da democratização do País dentro do espírito do Programa do M. F. A. Foi ainda reafirmada a união entre o M. F. A. e o Governo Provisório presidido pelo brigadeiro Vasco Gonçalves.»
6 - Situação normalizada
Um comunicado do COPCON (Comando Operacional do Continente), foi difundido cerca das 21 horas, aos microfones da Emissora Nacional e do Rádio Clube Português:
«Os piquetes e barragens constituídos na periferia de Lisboa, por iniciativa popular, foram rendidos pelas F. A. Regista-se com apreço a compreensão da população. Graças a essa compreensão, a situação está totalmente normalizada.
«Entretanto, as F. A. têm necessidade de continuar a exercer uma acção de vigilância para garantir a consolidação da vitória 'alcançada sobre a conspiração reaccionária.
«Pede-se à população para continuar a seguir as instruções das F. A., que têm como único objectivo consolidar o processo de democratização do País, dentro do espírito do 25 de Abril.»
7 - Vítor Alves
Poucos minutos depois das 19 horas, o ministro Vítor Alves leu aos representantes dos órgãos da Informação, reunidos na sala de Imprensa da residência oficial do primeiro-ministro, uma nota do Governo Provisório, com a seguinte redacção:
«Na sequência das medidas tomadas para esmagar as forças reaccionárias que pretendiam opor-se ao processo iniciado em 25 de Abril, é possível anunciar ao País que a situação está controlada em todo o território nacional. Para esse «contrôle», muito contribuiu a unidade entre o M. F. A., o Governo Provisório e as massas populares, unidade que constitui a maior garantia da consolidação das conquistas democráticas do 25 de Abril.
Como já foi referido pelo brigadeiro Otelo Saraiva de Carvalho, as forças do COPCON controlam completamente a situação, pelo que a colaboração dos populares, cuja vigilância foi da maior importância, é agora desnecessária.
O Governo Provisório reafirma assim a sua firme determinação de prosseguir o cumprimento escrupuloso do Programa do M. P. A., dispondo-se a neutralizar definitivamente as forças reaccionárias que tentarem impedir o processo de democratização do País.
Os mentores das manobras da auto-denominada «maioria silenciosa» tudo tentaram para convencer a opinião pública de que apoiavam o M. F. A. e o seu programa. O Governo Provisório admite que muitas das pessoas que se deixaram envolver neste processo, o fizeram sem ter consciência de ser vítimas dessas manobras.
O Programa do M. F. A. jamais poderá servir de cobertura aos objectivos de minorias desesperadas que a toda a hora recusam aceitar a democratização do País.
O Governo Provisório manifesta o seu maior apreço ao elevado sentido cívico da população e regista com o maior agrado as gerais manifestações de apoio das massas trabalhadoras.»
8 - «Serenamente»
Entre as várias informações difundidas pelo M. F. A., através dos microfones da Emissora Nacional, na tarde do dia 29, destaca-se a que se segue:
«Está-se serenamente, porque foi assim, serenamente, com aquela serenidade que é irmã gémea da determinação, que o Movimento das Forças Armadas obteve uma nova e retumbante vitória no caminho irreversível da democracia.
«Vitória da liberdade contra os nostálgicos do antigo regime que, evocando abusivamente a figura do sr. Presidente da República, tentaram manipular e enganar portugueses que respeitam no general António de Spínola o homem que soube identificar-se com a Pátria e assumir a chefia do Portugal libertado e renovado.
«E realmente lamentável que indivíduos sem escrúpulos utilizem a boa fé das pessoas e explorem os sentimentos para fins completamente contrários aos interesses do povo e da democracia.
«Evocou-se o sr. Presidente da República e o Movimento das Forças Armadas para atentar contra as conquistas democráticas do 25 de Abril.
«Em devido tempo, a E. N. dará ao povo português uma informação detalhada sobre a conspiração contra-revolucionária que se preparava a coberto de uma manifestação de apoio ao sr. Presidente da República.
«Convém, no entanto, salientar, desde já, que a gravidade da conspiração obrigou o M. F. A. a uma operação enérgica e decidida. Convém sublinhar que o M. F. A. cumpriu um a vez mais o seu papel de vanguarda histórica do povo português na luta pela construção de um Portugal democrático.
«A reacção não passará! E o povo tem razão para confiar nos homens que, tendo feito a Revolução das Flores, saberão responder à violência reaccionária com a violência revolucionária!»
9 - Otelo na Rádio e TV
O brigadeiro Otelo Saraiva de Carvalho proferiu, na tarde do dia 29 de Setembro de 1974, aos microfones das estações da Rádio e da TV, as seguintes palavras:
«O Movimento das Forças Armadas, no cumprimento rigoroso do seu programa e na certeza de interpretar os sentimentos profundos do povo português, de que é parte integrante, tomou as medidas necessárias para neutralizar as manobras reaccionárias que visavam derrubar a ordem democrática instaurada em 25 de Abril.
«Na sequência das medidas tomadas, o M. F. A., que controla completamente a situação, pede à população e às forças democráticas que cooperem com as forças militares e militarizadas na retirada progressiva dos piquetes, cuja finalidade se regista com agrado, mas cuja manutenção não só não se justifica, como dificulta a acção do Movimento das Forças Armadas com vista à neutralização definitiva dos elementos reaccionários que conspiravam contra a democracia.
«Pede-se à população total confiança das forças militares e militarizadas, que controladas pelo M. F. A. sob a orientação directa do Comando Operacional do Continente, garantem o respeito pela vitória alcançada em 25 de Abril.
«A serenidade e a calma são neste momento a melhor forma de a população manifestar a sua confiança na acção desenvolvida pelo M. F. A. no sentido de tornar irreversível a construção da Democracia em Portugal.
«Não podem restar dúvidas a ninguém de que os únicos inimigos da liberdade são os conspiradores reaccionários. Todas as tentativas para desviar noutra direcção as atenções do Movimento das Forças Armadas e das forças patrióticas, devem ser interpretadas como manobras de inspiração reaccionária, ainda que assumidas inconscientemente.
«O Movimento das Forças Armadas tem perfeita consciência de que a falta de informação pode criar estados de incerteza e de ansiedade susceptíveis de serem explorados por agentes provocadores. Contudo o M. F. A. garante que os destinos do País não serão decididos nas costas do Povo português.
«O M. F. A. reafirma a sua fidelidade ao povo e a sua disposição de cumprir rigorosamente o seu programa de democratização do País.»
10 - Vasco Gonçalves pede «um dia de trabalho no próximo domingo»
«Não vou propriamente fazer um comunicado sobre os acontecimentos que se passaram mós últimos dias, mas, antes, tecer algumas considerações sobre eles, a ver se tiramos algumas lições dos momentos que acabamos de viver, lições essas que são muito importantes para a consolidação e desenvolvimento da democracia em Portugal, lições essas em que está vitalmente interessado o povo português e o Movimento das Forças Armadas.
«Acabamos de viver o primeiro ataque, em forma, da reacção ao Movimento do 25 de Abril, nos moldes que, digamos, já são clássicos, porque eles são adoptados pela reacção em todas as partes do Mundo. Esses moldes consistem em aproveitar da impreparação política das pessoas, doa motivos de interesse nacional que calam fundo no coração das populações e, em particular, utilizar a emotividade suscitada por esses "slogans", por essas declarações, no sentido de dar a aparência de um grande apoio popular aos desígnios mascarados daqueles que estão interessados, precisamente, em prejudicar essas massas populares.
«Nós tivemos o exemplo recente em Moçambique, em Lourenço Marques, em que aquela minoria de bandoleiros arrastou muita gente honrada, muitos portugueses honrados de Moçambique, na emotividade que criou, nos apelos à Bandeira Nacional, ao Hino Nacional, etc. Quer dizer: servem-se abusivamente dos motivos mais caros aos patriotas para procurarem obter, conseguir, opor-se aos processos históricos e aos verdadeiros interesses nacionais. Nós sabemos os milhões de contos que custou essa rebelião de Lourenço Marques, as dezenas e dezenas de vidas e as centenas de feridos. Sabemos de parte da população que foi motivada por essa gente, que foi enganada por essa gente.
«Aqueles que menos estão interessados na Pátria, no desenvolvimento nacional, são os que, neste momento, mais apelam para essa mesma Pátria, para esse mesmo desenvolvimento nacional, mas junto de cantadas muitas vezes pouco esclarecidas, incautas; e, então, em Portugal, isso é fácil, é relativamente fácil ainda hoje, pois o nosso povo viveu 48 anos sob uma propaganda sistemática de embrutecimento. Em particular, o povo do campo é tão pouco esclarecido que acredita nessa propaganda insidiosa que se faz, a todo o momento, contra o Movimento das Forças Armadas, caluniando-o, acusando-nos de objectivos que nunca tivemos.
«Chegam a dizer que queremos roubar as casas onde os pobres vivem, agitam os mesmos papões que agitou o fascismo durante 48 anos e não é de admirar que algum êxito obtenham, porque as ideologias, as mentalidades forjadas, formadas ao longo de 48 anos, não se modificam de um dia para o outro.
«Desta vez, com uma larga cópia de meios, à mistura com armamento, muito dinheiro, etc, a reacção montou uma manifestação desse tipo.
«Nós estávamos a par do que se ia passando, não só por meio dos nossos serviços de informação militar, como também pela larga ajuda que a Imprensa, a parte da população mais vigilante, os movimentos democráticos e os partidos políticos deram a este processo, cimentando, assim, a unidade que é condição essencial para a consolidação e o desenvolvimento da democracia em Portugal, para que o programa do Movimento das Forças Armadas possa ser posto em prática sem ambiguidades; essa unidade entre o povo e o Movimento das Forças Armadas que saiu reforçada da prova por que acabamos de passar.
«O Movimento das Forças Armadas tomou precauções no sentido de minorar, o mais possível, as consequências de tal manifestação.
«Por outro lado, os sectores democráticos e os mais esclarecidos da população fizeram muito para que essa manifestação não fosse para a frente. E não o fizeram, utilizando meios violentos - isto é necessário que todo o País saiba. Foi através da persuasão, através de uma vigilância verdadeiramente democrática que se travou o passo à reacção. Não foi através de homens armados, nem de tiros, nem de mocadas, que foram descobertas as armas nos carros, que vinham a caminho de Lisboa. E a população, consciente do que se estava passando, aceitou de bom grado essa vigilância no sentido de evitar que a manifestação, tal como estava preparada, levasse ia confrontações, a tiros, à violência, que obrigasse a intervenção das Forças Armadas ou da Força de Segurança e que prejudicasse, assim, a unidade do povo e das Forças Armadas.
«Ê claro que na sequência destes acontecimentos, desenvolveu-se uma crise que está ultrapassada e da qual saíram miais reforçados o Movimento das Forças Armadas, as forças democráticas e aqueles que estão sinceramente empenhados em levar este país em paz, em tranquilidade e sem tiros, para os caminhos do futuro, que são os caminhos da garantia da liberdade cívica, do progresso social, do progresso económico em que estávamos empenhados, já muito antes do 25 de Abril.
«Ao longo da crise que se desenvolveu, todos os esforços foram feitos para evitar tiros entre os portugueses. Isto tem sido uma constante de todas as acções do Movimento das Forças Armadas; nós não queremos a guerra civil entre os portugueses. Bater-nos-emos sempre com a maior paciência, com ia maior calma, com a maior firmeza para que isso não aconteça.
«Por vezes, as pessoas impacientam-se, não compreendem talvez a nossa acção. Será pela prática, pelas consequências que forem observando da nossa acção, por aquilo que formos fazendo que verificarão que o Movimento das Forças Armadas, constituído por gente honrada, por oficiais que puseram acima de tudo o amor da Pátria e que procuram ser o motor do apoio ao desenvolvimento democrático e que são o motor no seio das Forças Armadas.
«Procuramos, acima de tudo, a paz, a tranquilidade e que não haja mortes entre os portugueses. Fizemos uma revolução cujas consequências ainda estão em pleno desenvolvimento.
«Podemos orgulhar-nos já de certas realizações que, em cinco meses, se podem considerar extraordinárias: fizemos a paz na Guiné, iniciámos um processo de descolonização em Moçambique, estamos empenhados em resolver o problema da descolonização de Angola. Julgo que isto são realizações que devem estar presentes na cabeça de todos os portugueses.
«Os nossos soldados deixaram de caminhar para as colónias, como dantes. Portugal tem hoje abertos largos caminhos de cooperação para o futuro. Ainda na recente Assembleia das Nações Unidas se mostrou o apoio caloroso que, hoje, temos nos meios que antes nos repudiavam, nos assobiavam e não nos permitiam mesmo o convívio com outras nações.
«Não somos um pais poderoso do ponto de vista económico; não estamos, portanto, em condições de desenvolver uma política neocolonialista em África. Temos, portanto, muitas condições para sermos aceites pelos povos africanos que dão os seus passos no caminho da independência económica e do progresso social. Estamos, portanto, em condições de poder forjar com esses povos a unidade, desenvolver a cultura em África e criar uma Pátria de expressão lusíada. Isto não teria sido possível sem o Movimento de 25 de Abril, sem o apoio das forças populares a esse movimento. Ora, isto é muito importante que se compreenda; são realizações bastantes válidas da nossa revolução. Pois é precisamente no momento em que nos encontramos empenhados nessas realizações que os nossos inimigos procuram destruí-la; chegam a caluniar-nos e a dizerem que vendemos a Guiné e Moçambique aos movimentos de libertação, não percebendo que nenhum povo é livre quando oprime outros povos. E é precisamente neste caminho, que estamos tragando, que encontramos os verdadeiros objectivos da presença de Portugal em África, que não há, talvez, exemplo para outro país no Mundo, que tenha conseguido arrancar para um processo de descolonização, como nós arrancámos em Moçambique.
«É precisamente, num momento destes, que 'as forças da reacção se empenham em combater-nos, Mas, nós, Movimento das Forças Armadas e o povo português estamos vigilantes. Esta crise fortaleceu mais essa unidade, fortaleceu mais as condições de desenvolvimento da democracia em Portugal e ainda de esclarecimento das nossas posições, de levarmos o Movimento das Forças Armadas e as Forças Armadas a todos os pontos do País, a fim de esclarecerem toem os nossos objectivos, de combaterem a calúnia, de combaterem os nossos opositores, que se servem exactamente da despolitização do povo português para combaterem precisamente o futuro desse povo português dizendo eles, reaccionários, que são os verdadeiros defensores desse futuro e não nós.
«Nós queríamos sobretudo que essa lição fosse tirada: que foi tores, que se servem exactamente da despolitização do povo português que novos caminhos estão abertos à democracia em Portugal, à realização do programa do Movimento das Forças Armadas, em que estamos sinceramente empenhados e em que pusemos a nossa honra e em que abatemos barreiras, para que esse programa vá avante.
«O programa é isento no sentido de que não serve partidarismos, não serve partidos, serve para a Nação portuguesa. Isto não significa qualquer crítica aos partidos, fizemos o 25 de Abril para que os partidos pudessem viver em liberdade em Portugal.
«Nós queremos dizer que os militares, os homens das Forças Armadas que estão interessados em que seja posto em prática o programa do Movimento das Forças Armadas, esses homens põem acima de tudo os objectivos do Movimento e não as inclinações partidárias que possam ter e que têm o direito a ter, como portugueses que são. Mas, como militares, que também são, esses militares sabem que faz parte da servidão militar pôr acima de tudo os interesses unitários da sua Pátria e abaterem barreiras na presença desses interesses unitários.
«Os caluniadores do Movimento das Forças Armadas e das Forças Armadas dizem que nós defendemos interesses partidários, o que é profundamente falso. Nós defendemos os verdadeiros interesses do povo português que estão traduzidos no programa que nós elaborámos e no programa que pretendemos levar ao fim e que levaremos ao fim, contra tudo e contra todos. Poderão ter a certeza de que as Forças Armadas estão atentas a isso; defenderão o seu Programa contra tudo e contra todos. Estão atentas às manobras da reacção, mas não se podem defender da reacção, não podem combater essas manobras sem uma unidade íntima com o povo português, a qual saiu alicerçada dessa crise.
«Nós queremos dizer ao País que os maus dias estão passados, que melhores dias virão com certeza, que o caminho que traçámos é muito difícil. Todos sabem as condições que herdámos no 25 de Abril, mas é certo que essas condições não servem para justificar tudo.
«Nós temos muito e muito que fazer à nossa frente. Temos muito que trabalhar. As tensões sociais que se têm desenvolvido ultimamente, de certo modo, têm prejudicado a produtividade do nosso País. Mas estamos convencidos que essa produtividade pode ser aumentada desde que o povo tenha confiança na Revolução do 25 de Abril.
«E, daqui mesmo, nós exortamos o nosso povo que, para comemorar esta vitória sobre a reacção o próximo domingo seja um dia de trabalho nacional, um domingo em que o povo vá para a oficina, vá para os campos, vá para a fábrica, trabalhar, como (manifestação de alegria por esta vitória que obtivemos sobre a reacção. Estamos convencidos de que o povo compreenderá e que poderá fazer do próximo domingo como jornada de vitória nacional, de vitória do 25 de Abril. E no trabalho demonstrar que está, de facto, interessado, verdadeiramente interessado, no progresso da Nação. Não pretendemos que o fruto desse trabalho seja entregue, nem ao Governo Provisório, nem ao Movimento das Forças Armadas: o produto desse trabalho será para quem trabalhar. Mas nós sabemos que esse produto irá juntar-se ao produto nacional.
«O que pretendemos é que as massas, quer no campo, quer na cidade, os intelectuais, etc., demonstrem ao País uma unidade com as Forças Armadas, alicerçadas no trabalho quotidiano. E por isso aqui exortamos que façamos do próximo domingo uma jornada de trabalho nacional, comemorando a vitória que acabamos de obter».
11 - Saneamento da Junta
Comunicado da Comissão Coordenadora:
«O Movimento das Forças Armadas, através da sua Comissão Coordenadora do Programa, comunica que, após reunião com a Junta de Salvação Nacional efectuada em 29 de Setembro de 1974, cessaram as suas funções como membros daquela Junta os seguintes oficiais generais: general Manuel Diogo Neto, general Jaime Silvério Marques e general Carlos Galvão de Melo.
«Passou assim naquela data a referida Junta de Salvação Nacional a ser constituída, até que sejam nomeados novos membros, peêlos seguintes oficiais generais: general Francisco da Costa Gomes, vice-almirante José Pinheiro de Azevedo e vice-almirante Rosa Coutinho.»
Posteriormente o Gabinete do Estado-Maior General das Forças Armadas forneceu a seguinte informação:
«Através do seu gabinete, S. Exa. o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas comunica que, na sequência da cessação de funções como membros da Junta de Salvação Nacional e ao abrigo do número 2 do artigo 10 do Decreto-Lei 3/74, deixam de exercer os cargos de chefe do Estado-Maior do Exército e de chefe do Estado-Maior da Força Aérea, respectivamente, os generais Jaime Silvério Marques e Manuel Diogo Neto.»