Coleções - Legislação - Costa Gomes confirma Vasco (30/9/74)

COSTA GOMES CONFIRMA VASCO GONÇALVES

(30/9/74) 

AS PALAVRAS DE COSTA GOMES

Ao aceitar o cargo de Presidente da República fi-lo pela convicção de que nenhum português tem o direito de se negar às responsabilidades que lhe sejam exigidas no período difícil que todos fraternalmente teremos que ultrapassar.
Quis o destino que eu suceda no cargo a um grande Homem, verdadeiro soldado, ao qual me une meio século da mais fecunda amizade.
Muitos momentos comuns, muitas horas de amargura, multas noites de vigília cimentaram entre nós sentimentos fraternos tão vincados que sempre ultrapassaram e ultrapassarão naturais diferenças de opiniões e conceitos.
Ninguém poderá negar que a sua última obra "Portugal e o Futuro" foi uma pedra angular no despertar da consciência colectiva de uma Nação desviada dos seus verdadeiros destinos.
Homem do Movimento das Forças Armadas, nunca se desvinculou dessa qualidade, e todos contamos com a sua dedicação à causa do Movimento, a cujas fileiras continua a pertencer, desde as primeiras horas de incerteza.
Profundamente idealista e exigente consigo próprio, o sr. general António de Spínola comunicou ao Pais a sua decisão de rescindir ao cargo de Presidente da República, baseado na sua análise pessoal e subjectiva dia situação nacional.
Perante o Conselho de Estado, cujos membros bem conhecem os meus esforços continuados para evitar este acto de resignação, fiz a devida justiça às suas qualidades de grande amigo e companheiro de armas e o meu desgosto perante a sua decisão.
Ainda perante o Conselho de Estado signifiquei as extensas divergências entre as afirmações de S. Exa. e a forma como o problema nacional pode ser apreciado.
Não seria cómodo, para quem me escuta, uma exposição extensa, mas não posso eximir-me a focar alguns pontos.
Na descolonização não houve qualquer desvio ao Programa do Movimento das Forças Armadas. Visto que em todos os actos políticos não haveremos de sujeitar-nos a esquemas rígidos preconcebidos, teremos sim de, em respeito pelos grandes princípios, orientar a evolução dos acontecimentos face à constante mutação da conjuntura política enquadrante.
Entendo dever referir que os responsáveis do Governo Provisório e todos os que têm colaborado no processo de descolonização em curso têm demonstrado inteligência, dedicação e talento. Credo que os resultados obtidos e a obter serão referidos como os melhores que, no momento histórico, seriam possíveis à luz dos interesses dos povos intervenientes.
Quanto ao curso da democratização do País, se nem sempre tem sido possível evitar desvios a quem aprende o caminho da liberdade autêntica, creio que poderemos continuar a perguntar-nos se outra Revolução no mundo soube ser simultaneamente tão profunda e tão pouco marcada por sangue, por dores ou por atentados graves ao civismo.
Há muito a melhorar e a corrigir; pois todos unidos nós o faremos.
Nenhum Português que ame o Povo a que pertence ignora hoje que o trabalho, a ordem e a unidade são os marcos essenciais que garantem as liberdades democráticas e o respeito pelos direitos fundamentais do Homem.
Em política, como em tudo na vida, quem planeia, a longo prazo, tem menos que se preocupar com o patamar em que se apoia do que com a tendência ascendente a imprimir ao fenómeno.
Estaremos todos unidos para trabalhar e progredir, sempre melhores, sempre mais disciplinados e conscientes do que no dia anterior. Resta-me agora, perante a Nação, definir algumas linhas mestras do meu pensamento quanto ao nosso futuro imediato. No plano geral, saberemos interpretar as leis constitucionais em vigor, onde são essenciais os pontos do Programa do Movimento das Forças Armadas.
Saberemos todos criar as condições sociais que permitam ao Povo escolher as suas instituições políticas, dentro do conceito basilar de democracia pluralista, único que garante espaço para projecção da verdadeira dimensão da dignidade humana.
No processo de descolonização tudo faremos para respeitar os legítimos interesses das populações locais procurando o justo equilíbrio na criação das condições de fraternidade, de respeito mútuo e de amizade que substituirão laços anteriores historicamente ultrapassados. Timor, S. Tomé e Cabo Verde serão problemas diferenciados cuja única constante é a garantia de que a consulta das populações livremente expressa terá papel decisivo no curso do processo.
Quanto a Moçambique iremos respeitar com meridiano rigor os compromissos assumidos nos acordos de Lusaca.
Angola tem as coordenadas fundamentais desta fase do processo já definidas pela Junta de Salvação Nacional a que pertenço e com as quais me identifico plenamente.
Conforme já foi aceite nas Nações Unidas, Macau tem um estatuto especial.
Ao entrar agora nos aspectos da política externa, desejo fazer uma referência a um novo país da comunidade internacional, à Guiné-Bissau. Procuraremos desenvolver em termos de respeito e interesses mútuos todos os laços políticos, económicos e culturais, que os dois povos entendam por bem.
Em relação à sociedade internacional continuaremos a garantir o respeito pelos princípios da independência e da igualdade entre os Estados, sem interferências nos assuntos internos de outros países.
Respeitaremos os tratados internacionais em vigor, nomeadamente o da O.T.A.N., bem como os compromissos comerciais ou financeiros a que nos vinculámos.
O espírito da nova Constituição permitir-nos-á reforçar laços com os países amigos e negociar o estabelecimento de relações diplomáticas e comerciais com todos os países do mundo.
Os laços históricos facilitar-nos-ão reforçar a Comunidade Luso-Brasileira, renovar as relações com os países do Terceiro Mundo, com os países árabes e outros de que nos encontramos afastados.
Desejaria terminar com uma palavra de tranquilidade.
Deixo-vos a certeza de que as Forças Armadas, militares e militarizadas -, se estão integrando rapidamente no espírito novo e vão-se tornando mais aptas a garantir ao Governo Provisório e ao Povo o clima de ordem e liberdade por que ansiamos para nos dedicarmos ao 
trabalho com a certeza de que vamos construir um futuro melhor, mais justo, mais democrático.
Estou plenamente convencido que essa colaboração, que já vem de há longo tempo, continuará nos mesmos moldes de lealdade, sinceridade e amizade, com que através dos tempos temos vindo a colaborar.
Muitas felicidades, para bem deste povo que tanto precisa do nosso acordo e da nossa convergência de esforços.
 
VASCO GONÇALVES RESPONDE

Meu general: eu considero a maior honra da minha vida o facto de ter sido hoje empossado por V. Exa., no cargo de primeiro-ministro do Governo Provisório da República Portuguesa. E considero a maior honra por dois motivos: o primeiro, porque vou continuar a servir a nossa Pátria e o nosso Povo; o segundo, porque fui nomeado por V. Exa. a quem me unem laços do mais elevado respeito e consideração para além da amizade que foi forjada em trabalho comum, em conhecimento mútuo e no apreço pelas suas altas qualidades.
O meu programa é o mesmo: é o estrito cumprimento do Programa do Movimento das Forças Armadas, em toda a sua pureza e em tudo o que ele encerra de projecto de nova vida para a nossa Pátria. Sobre esse programa empenhei a minha honra, como V. Ex.a empenhou a sua e como os camaradas aqui presentes, como o sr. Almirante, como os nossos camaradas do Movimento das Forças Armadas a empenharam. Tenho sempre presente esse empenho, que o nosso povo testemunhará da sinceridade dos nossos propósitos, da sinceridade dos nossos actos, porque as pessoas serão de facto julgadas pelos actos e não pelas palavras que proferem.
Mais uma vez afirmo que trata-se da maior honra que tive em toda a minha vida, e, só ela compensa, serve para justificar que tenha nascido em Portugal.

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