Coleções - Legislação - Costa Gomes anuncia a data das eleições (11/2/75)

COSTA GOMES ANUNCIA A DATA DAS ELEIÇÕES

(11/2/75)

As eleições para a Assembleia Constituinte realizar-se-ão no dia 12 de Abril de 1975.
Proclamo publicamente esta data cumprindo os termos do n.° 6, art.° 7.° da Lei n.° 3/74.
Convém recordar que nas grandes linhas do Programa do MFA, descolonizar e democratizar eram as generosas motivações de homens corajosos que não dormiram a noite de 25 de Abril.
Ninguém tem dúvidas quanto aos passos fundamentais percorridos na descolonização, nessa ronda inevitável dos caminhos da História; ronda que se aproxima de um epílogo original, genuinamente português.
Pois bem, no caminhar para a Democracia a data que hoje fixei será um marco fundamental na longa rota a percorrer.
Estas primeiras eleições acabarão por determinar os homens a quem compete a transcendente responsabilidade de preparar a Constituição, a Lei fundamental que lançará o povo a que pertencemos no rumo do futuro.
Votar é um direito de todo o eleitor mas é simultaneamente um dever imperioso. Nenhum português se negará à responsabilidade de votar, de votar tão conscientemente quanto lhe seja possível.
Votar é colaborar, não votar é trair o Povo.
Aproveito a oportunidade de hoje para fazer um balanço geral dos resultados de menos de um ano da nossa Revolução.
Começarei por reconhecer tantos erros e desvios individuais e colectivos feitos por homens e organizações egoisticamente agarrados a velhos privilégios; por oportunismo pseudo-revolucionários de ambiciosos do Poder; por massas populares, gente simples e boa, que interesses ocultos polarizam e manejam.
Estamos a aprender esforçadamente a viver em liberdade. Decretos não bastam.
A vivência em sociedade livre terá de impregnar os sentimentos, as atitudes e os comportamentos de todos nós; teremos de a conquistar, integrá-la na nossa personalidade colectiva num processo não isento de vários sobressaltos.
Evitaremos as ditaduras que marginam a rota revolucionária que prosseguimos.
Aos homens sem fé, aos fracos de vontade e de espírito, aos que desertam na caminhada, batidos pelas dificuldades da Revolução, aos feridos nos privilégios, aos impacientes, aos injustamente traumatizados, a todos recomendaria a leitura da história de tantas revoluções libertadoras.
A caminhada para a liberdade tem sempre um preço social em suor, sangue e lágrimas; só a generosidade dos autênticos revolucionários e a bondade e civismo do Povo Português tem permitido preço social tão baixo.
Todos nós, Povo de Portugal, vamos lutar mais com o espírito, trabalhar mais com as mãos, perseverando mais com a vontade, para construir uma sociedade livre com um mínimo de sofrimentos injustos.
Chegam até mim clamores de impacientes e de idealistas, portugueses que criticam o que chamam "ritmo lento da nossa Revolução". Falam-me outros, nos quais incluo estadistas estrangeiros que conduziram as suas revoluções libertadoras, do perigo da aceleração excessiva do processo revolucionário.
A extrema dependência económica de um mundo em crise, a tarefa urgente da descolonização, o artificialismo do sistema das forças de produção, o atraso e distorção educacional, são algumas das pesadas heranças que limitam a capacidade de aceleração revolucionária, sob pena de rotura do equilíbrio social que desejaríamos manter.
É reconfortante verificar quanto se fez em menos de um ano de Revolução.
Milhões de almas, povos irmãos, foram colocados no caminho descolonizante, génese de novas pátrias de expressão lusíada.
O Povo Português, intoxicado de decénios de propaganda da extrema-direita, dispõe agora de uma informação pública com órgãos livres, onde já se procura criar o justo equilíbrio no pluralismo de opiniões.
Os responsáveis pela Economia e Finanças criaram uma estrutura orçamental mais adequada, uma distribuição mais justa da carga fiscal, aumentaram o «controle» do Estado sobre a banca e a economia privada e preparam-se para actuar na conjuntura com base no novo Plano Económico já aprovado.
Iniciaram-se as intervenções do Estado nas empresas privadas e na implantação da reforma agrária.
Os sectores eléctrico, petrolífero, siderúrgico, comércio internacional, distribuição cooperativa dos bens de consumo, construção de navios de pesca, e outros sectores começam já a sentir a nova orientação do Estado para os desviar de interesses capitalistas exclusivos e os colocar ao serviço do Povo.
No plano da Administração Interna tentam-se soluções de democratização e descentralização administrativa e mantém-se firme o rumo pré-eleitoral cheio de dificuldades.
Na política externa, a colaboração na descolonização, o reajustamento e alargamento das nossas relações internacionais tem sido uma tarefa imensa a protelar uma exploração internacional mais intensa da nova situação nacional. A renegociação da Concordata e do acordo dos Açores são já vantagens fundamentais a considerar em curto prazo,
Tudo o que se refere a transportes internos, marítimos e aéreos está em plena reconversão, bem como o problema habitacional, a utilização da energia, as obras públicas e a defesa do ambiente.
Nunca se trabalhou tão intensamente nos problemas de segurança nacional dos trabalhadores, onde se estão a criar ou melhorar esquemas de protecção contra a doença, o acidente, o desemprego e a velhice.
Nas relações capital/trabalho procura-se orientar uma turbulência excessiva, limitar aventuras pseudo-revolucionárias, mas importa sobretudo continuar a reforçar a luta ordeira mas firme dos trabalhadores que trabalham e por isso conquistam legítimos direitos a uma vida melhor e mais digna.
No campo da educação nacional tudo o que foi feito, incluindo a democratização da gestão dos estabelecimentos de ensino, a revisão dos programas primários, preparatórios e secundários, os acordos culturais, o trabalho de planeamento e preparação, parece não impressionar.
É um esforço camuflado pela selva imensa do que está por fazer, tarefa intrinsecamente gigantesca agravada por correntes extremistas de pensamento, por fascistas ou pseudo-revolucionários a quem Portugal Livre parece não convir.
Pensemos ainda no que se realizou ou preparou no campo da saúde, em medicina preventiva, em democratização do sistema hospitalar, em regularização das carreiras profissionais.
Gostaríamos de ter realizado mais e melhor, mas façamos justiça aos actuais responsáveis do Poder, trabalhadores infatigáveis que merecem alta cotação no mundo do trabalho honesto com que teremos de forjar um País democrático, autenticamente livre e justo.
Em termos fatalmente genéricos defini os eixos por onde avança a nossa Revolução, com o impulso e a segurança social na mão dos homens do M. F. A., das forças autenticamente democráticas e, sobretudo, do Povo ide Portugal.
Aos timoratos, aos privilegiados do anterior regime, a todos quantos agora se deixam entrar em ressonância com a descrença ou o alarmismo recomendaria mais coragem e vontade de colaborar no futuro das classes mais desfavorecidas sem pensar tanto na tranquilidade e no conforto próprio.
Aos utopistas, aos vendedores de ilusões, aos cultivadores do ódio e da violência, aos vingativos, aos nefastos manipuladores da opinião pública recomendaria um exame de consciência e uma nova atitude face a um Povo que quer ser livre, trabalhar mais e distribuir melhor a riqueza produzida.
No Portugal novo irão caber todos os homens justos, trabalhadores de recta intenção.
Cabe agora, que vamos realizar as primeira eleições, chamar a atenção aos que, em palavras e escritos, se dirigem aos responsáveis do Poder exigindo medidas autocráticas para grandes e pequenos males que detectam ou julgam vislumbrar.
Estamos num Portugal novo; o poder autocrático e individual não voltará. O poder é e será exercido por órgãos colectivos emergentes de um sistema de forças democráticas. Haveremos de aceitar pequenos inconvenientes nas grandes vantagens da democracia pluralista em construção.
Terminarei com dois apelos. O primeiro quero dirigi-lo aos partidos autênticos, aqueles que verdadeiramente são representativos de segmentos genuínos do Povo de Portugal.
A felicidade possível de todos nós depende muito da vossa acção esclarecedora e pedagógica junto das massas populares. Intensificai tudo quanto contribua para a unidade no sentido de se construir uma democracia pluralista e livre e procurai esquecer os atritos possíveis na luta política.
Neste momento a hora é de construção de um sistema em que caibam todos os partidos autênticos; mais tarde, numa sociedade mais politizada, sendo livres sempre poderemos corrigir as posições relativas que justamente caibam a cada doutrina partidária.
Cordialidade, generosidade e lealdade na luta são atributos dos verdadeiros combatentes da liberdade.
O segundo apelo dirijo-o a todos os eleitores. Votai, mas votai com consciência; não nos envergonhará a falta de cultura política porque até essa sempre nos foi negada e escamoteada.
Teremos agora de dialogar, escutar, ler, falar, estudar os programas partidários, treinar o nosso espírito crítico para obter uma escolha consciente e válida.
Não vejamos fantasmas nos arautos da liberdade, mas não aceitemos a ilusão dos fogos-fátuos, belos mas estéreis, de utopias totalitárias.
Sobretudo rejeitemos partidos ou doutrinas que oferecem para já a violência e o ódio em troca de um suposto paraíso futuro a que tal caminho jamais conduziria.
Saúdo o 12 de Abril de 1975, que prevejo padrão luminoso no avanço revolucionário que conduzirá à Democracia pluralista livre e autêntica.
Saúdo todos os eleitores que votem conscientemente em partidos válidos para a Revolução Portuguesa.
Vamos contribuir com o nosso voto para se obter uma Constituição que nos garanta um futuro em Liberdade, fraternidade, progresso e justiça social.

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