Coleções - Legislação - Acto de posse do IV Governo Provisório (26/3/75)

ACTO DE POSSE DO IV GOVERNO PROVISÓRIO

(26/3/75) 

DISCURSO DO PRESIDENTE DA REPUBLICA, GENERAL COSTA GOMES

As minhas primeiras palavras são para agradecer aos srs. ministros, secretários e subsecretários que cessaram as suas funções, o esforço e a dedicação que despenderam no exercício das suas funções.
Oficializamos neste momento a entrada em funções de nova equipa governamental, decisão acelerada pêlos pelos acontecimentos do 11 de Março. A Nação espera este Governo com ansiedade e fé.
Algumas dúvidas, muitas esperanças e imensa expectativa rodeiam os homens laboriosamente escolhidos no equilíbrio procurado entre as necessidades conjunturais, as forças políticas e a coragem intelectual de ser disponível dentro do leque limitado dos possíveis.
Somos uma revolução em marcha cujo perfil se esfuma para os» contemplativos, inertes na margem do caminho.
Alguns minimizarão as vossas responsabilidades pelo facto de existir um Conselho da Revolução, embora este tenha um efeito dinamizador em relação ao Governo, efeito tanto mais limitado quanto menos se tornar necessário.
Na verdade, os observadores esclarecidos compreenderão que a missão desta equipa irá transcender a de um Governo normal inserido numa rotina estabelecida: teremos de refazer, em novas bases ideológicas, uma economia em crise e revitalizar o amorfismo da herança de uma administração ultrapassada.
Seja como for, será o binário Conselho da Revolução/Governo que haverá de manter o impulso essencial deste processo revolucionário, descolonizar e democratizar. Haveremos de suportar críticas internas, mesmo de quem pouco trabalha, e críticas externas, mesmo de quem nada ajuda.
Sejamos uma equipa eficaz e dinâmica, mais preocupada com os interesses do Povo que somos do que com os interesses dos partidos que queiramos ser. Sejamos tolerantes mas firmes no caminho da Democracia: iremos preencher os vazios da falta de autoridade.
Nacionalizámos uma larga faixa de sectores, altamente rendíveis, com o apoio dos respectivos trabalhadores; estes trabalham, agora, para um povo cujo nível de vida médio é muito inferior ao seu: aceitaremos os sacrifícios que lhes caberão em favor dos outros trabalhadores de sectores de rendibilidade menor.
De acordo com o Programa do MFA, daremos prioridade às legítimas aspirações das classes menos favorecidas: no entanto, sem trair a sua esperança, haveremos ainda de lhes pedir esforços e sacrifícios para um futuro melhor.
Criaremos o clima de confiança e tranquilidade que permitirá investir com risco aceitável àqueles empresários dispostos a distribuir com justiça social a riqueza produzida nos sectores reservados à iniciativa privada.
Em relação às eleições, reiteramos as grandes linhas do processo eleitoral, cuja execução será um verdadeiro exame cívico de Portugal perante o Mundo que nos observa. Para este exame recomendaríamos aos partidos e ao Povo Português a tranquilidade e a serenidade indispensáveis aos grandes momentos da vida nacional.
Terminaremos reafirmando o desejo imediato de mais autoridade democrática com menos extremismos de vocação autocrática. 
 
DISCURSO DO PRIMEIRO-MINISTRO VASCO GONÇALVES

As minhas primeiras palavras são dirigidas aos membros do Governo que cessaram as suas funções. Quero aqui, publicamente agradecer toda a sua colaboração e esforço que desenvolveram ao longo destes meses, não regateando longas noites de trabalho, fins-de-semana fora do convívio dos seus familiares, abdicando do seu descanso e dos seus ócios, em suma todo um conjunto de sacrifícios que o País não pode nem deve esquecer. Muito obrigado, pois.
A aventura reaccionária e criminosa do 11 de Março veio dar novo impulso ao processo revolucionário português e tornar possível a resolução de algumas contradições com que se debatia a vida nacional. Deste modo, foi necessário levar a cabo alguns ajustamentos do elenco governamental, tendo como objectivo primeiro a sua operacionalidade e a dinamização da actividade económica.
Esta dinamização vai orientar-se essencialmente na consolidação da política antimonopolista do programa do MFA e na defesa das classes mais desfavorecidas. Esta política foi iniciada com a nacionalização da banca e dos seguros e com intervenção decidida em algumas empresas-chave de vários sectores da actividade económica.
Para a consecução desta finalidade, é necessário pôr a funcionar uma nova economia que conduza a uma verdadeira democracia política, económica e social.
A crise que atravessamos será vencida na medida em que consolidarmos as conquistas já feitas num sistema económico mais avançado.
Assim, prevê-se:

- A estruturação da banca nacionalizada em moldes mais adaptados às necessidades da economia nacional.
- A organização das empresas privadas controladas pelo Estado, sobretudo em consequência da nacionalização da banca e dos seguros, com a criação do Instituto das Participações do Estado, já decidida pelo Conselho da Revolução.
- A recriação do sistema de planeamento.
- A constituição do Ministério do Planeamento e da Coordenação Económica.
- O prosseguimento da nacionalização de sectores básicos da actividade económica, estabelecendo uma clara demarcação para os sectores onde a iniciativa privada poderá expandir-se, apoiando o Estado essa expansão.
Por o Governo encarar como fundamental e inadiável o combate ao desemprego e à inflação, prevê-se ainda:
- A elaboração de um programa nacional de emprego com medidas de emergência.
- O estabelecimento de novas bases para a política de preços e arrendamentos.
Nesta perspectiva, indispensável será desencadear o processo da reforma agrária.
O desenrolar do processo revolucionário, com a nacionalização da banca e dos seguros, veio ultrapassar, em alguns pontos, o programa económico-social.
Interessa, portanto, extrair desse documento um conjunto de programas de acção a curto prazo, cobrindo as áreas estratégicas da política económica e estabelecendo ao mesmo tempo as perspectivas a médio prazo.
Alguns pontos mais gostaria de acentuar. O primeiro, refere-se à necessidade imperiosa de estabelecer um regime de total austeridade. A dura verdade é que vivemos acima dos meios da economia portuguesa.
Em segundo lugar penso ser necessário motivar a administração pública. Apelo desde já para o funcionalismo público, no sentido de que deve entender a sua acção como fundamental no desenrolar de todo este processo de dinamização económica e progresso social.
Aos empresários portugueses abrem-se, também, novas perspectivas, pois as novas condições do mercado financeiro tornam possível uma distribuição mais justa e mais equilibrada do crédito, sem compadrios nem favoritismos. Têm também uma palavra a dizer e a demonstrar que estão ao lado do Povo Português.
Aos emigrantes, espalhados por todo o Mundo, quero aqui reafirmar que o 25 de Abril foi feito para que não se tornasse necessário aos portugueses saírem da sua Pátria para poderem viver como seres humanos que são.
Desejo afirmar-vos que a paz e a segurança em Portugal são completas, e pedir-vos que não deis ouvidos a campanhas difamatórias e reaccionárias de alguns órgãos de Informação. Nas férias que se avizinham, e em que esperamos acolher-vos com a alegria com que se encontram irmãos há muito separados, tereis ocasião de verificar como é mais alegre o Portugal que tão triste conhecestes.
As linhas gerais da nossa política externa são as que foram definidas por S. Ex.a ª o Presidente da República, no seu discurso de 17 de Outubro, na Assembleia Geral das Nações Unidas, baseada na independência nacional, fidelidade aos compromissos assumidos e ao respeito mútuo entre as nações.
Aos membros do Governo espera-vos trabalho árduo, atendendo às tarefas difíceis que empreendemos. Considero este Governo, um Governo de campanha, constituído por verdadeiros militantes e combatentes da luta pelo progresso e bem-estar do Povo Português .Este Governo é para governar até que sejam postas em prática as novas instituições políticas, a estabelecer pela Assembleia Constituinte.
Aos novos países de expressão portuguesa, reafirmo o nosso propósito de cooperação e ajuda sincera e fraternal.
Aos trabalhadores e todas as massas populares, para quem fundamentalmente vão as nossas preocupações e cujo apoio, nas horas difíceis, é prova cabal da confiança que depositam no Governo, apelo daqui que não abrandem a vigilância popular e para que, com o seu civismo e o seu trabalho, contribuam para a construção de um Portugal democrático, próspero e independente.

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