Coleções - Legislação - Legalização de ocupações de casas (Dec.-Lei 198-A/75 de 14 de Abril)

LEGALIZAÇÃO DE OCUPAÇÕES DE CASAS

DECRETO-LEI N.° 198-A/75 DE 14 DE ABRIL

Há no País centenas de milhares de famílias sem habitação ou habitando em condições sub-humanas.
E é manifesto que, a despeito das medidas já tomadas ou em estudo e das acções programadas para fomentar a construção, não haverá possibilidade de, mesmo a médio prazo, resolver totalmente, através de novas construções, o grave problema do adequado alojamento dessas famílias.
A via que, consequentemente, se oferece, e que os mais elementares princípios de justiça social impõem que se adopte, para minorar a curto prazo esta carência, é a de promover a integral utilização do parque habitacional do País, já que enquanto houver pessoas sem casa não é admissível que existam casas sem pessoas.
E essa solução implica a instituição de dispositivos legais e operacionais que permitam, em termos seguramente eficazes, proceder à imediata atribuição dos fogos devolutos, designadamente nos casos em que se verifique infracção da legislação em vigor.
É evidente que a plena consecução do objectivo apontado - naturalmente complexa, quer pela natureza da instrumentação legal a rever ou emitir, quer pela delicadeza dos problemas envolvidos - terá de passar pelo reexame e reformulação de diplomas fundamentais como a Lei de Rendas (Decreto-Lei n.° 445/74, de 12 de Setembro) e, inclusivamente, a chamada Lei dos Solos (Decreto-Lei n.° 576/70, de 24 de Novembro), e, bem assim, porque nada se poderá fazer em termos definitivos sem uma indústria de construção sólida, pela promulgação de medidas que, decididamente, incentivem esta última, proporcionando-lhes condições adequadas para o normal desenvolvimento da sua actividade e para a debelação da crise que reconhecidamente atravessa.
Propõe-se o Governo, no mais curto prazo de tempo, apresentar os diplomas indispensáveis para os fins indicados, esperando que deles resultem para o País, em geral, e para a indústria referida benefícios significativos.
Entretanto, e desde já, há que resolver os problemas suscitados pelas ocupações que têm vindo a verificar-se de fogos devolutos. E se algumas delas se operaram em condições ou com intuitos que tornam manifestamente inadmissível a manutenção das situações abusivas assim criadas, em muitos outros casos, porém, importa reconhecer que, embora por via ilegal que se não poderá tolerar no futuro, se trata de actuações inseridas na satisfação de necessidades urgentes e atendíveis de estratos extremamente desfavorecidos da população.
Resolve-se, por isso, admitir e promover a legalização deste último tipo de situações. Por outro lado, impõe-se obstar, de maneira definitiva e muito firme, a que situações semelhantes venham a criar-se no futuro, já que, para além da ilegalidade em que assentam, determinam, de forma irreversível, a paralisação de toda a indústria da construção, redundando, assim, em gravíssimo prejuízo para toda a população.
Tal o objectivo do presente decreto-lei.
Tem-se perfeita consciência de que, com as medidas agora tomadas, se resolve apenas uma parcela mínima do problema habitacional. Para além disso, porém, o diploma justifica-se ainda pela circunstância de, ao permitir a legalização das situações criadas, penalizarem actuações abusivas de proprietários que não lançaram oportunamente no mercado, como lhes impunha a legislação vigente, fogos devolutos, quer antigos, quer de nova construção.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pelo artigo 16.° n.° 1, 3.°, da Lei Constitucional n.° 3/74, de 14 de Maio, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:

ARTIGO 1.°

1. As ocupações de fogos devolutos levadas a efeito para fins habitacionais, antes da entrada em vigor deste diploma, em prédios pertencentes a entidades públicas ou privadas, serão imediatamente legalizadas através da celebração de contrato de arrendamento.
2. Para os efeitos do número anterior considerar-se-ão devolutos os fogos em relação aos quais, à data da ocupação:

a) Se encontrasse excedido o prazo de sessenta dias, contado a partir da data da cessação do último arrendamento ou da data da concessão da licença de utilização, ou ainda da data da celebração do contrato de compra do fogo, quando este se destina a arrendamento;
b) O proprietário se encontrasse em falta no cumprimento do disposto no artigo 19.° do Decreto-Lei n.° 445/74, de 12 de Setembro.

3. O contrato de arrendamento previsto no n.° l será obrigatoriamente celebrado pelo senhorio no prazo de trinta dias a contar da data da entrada em vigor do presente decreto-lei.
4. Se o senhorio não cumprir o que se dispõe no número precedente:

a) O contrato de arrendamento será imediatamente celebrado, em nome dele, pela respectiva câmara municipal ou, mediante delegação desta, pela junta de freguesia da localização do fogo;

b) Reverterão a favor da câmara municipal as rendas relativas ao período decorrido desde a data da ocupação até à da celebração do contrato.

5. O disposto na alínea a) do número anterior será igualmente aplicável sempre que se verifique ausência do senhorio ou desconhecimento da sua identidade.
6. A renda a estabelecer no contrato será fixada nos termos do Decreto-Lei n.° 445/74, de 12 de Setembro, e se no caso de fogos já anteriormente arrendados não for possível determinar o montante da última renda e o ano da sua fixação, quer por falta de informação do senhorio, ou de quem o represente, quer por falta de elementos na respectiva repartição de finanças, fixar-se-á como renda a quantia correspondente a um sexto do salário mínimo nacional, se por avaliação não deva ser inferior.
7. Nos casos em que o proprietário se encontre em falta ao cumprimento no disposto no artigo 19.° do Decreto-Lei n.° 445/74, de 12 de Setembro, a renda será fixada por avaliação, mandada efectuar pela câmara municipal.

ARTIGO 2.º

Exceptuam-se do disposto no artigo precedente:

a) Os fogos destinados a venda;
b) Os fogos destinados a habitação própria ou do respectivo agregado familiar, ainda que como habitação secundária, desde que, em relação a estas últimas e a cada proprietário, se situem em diversas localidades;
c) Os fogos integrados em prédios em relação aos quais já tenha dado entrada na competente câmara municipal, à data da publicação do presente diploma, projecto para nova construção, bem como os fogos integrados em prédios cuja demolição seja admissível nos termos do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 445/74, de 12 de Setembro;
d) Os fogos para habitação por curtos períodos em praias, campo, termas ou quaisquer lugares de vilegiatura, para uso próprio ou arrendamentos temporários, e, bem assim, os destinados a outros fins especiais de natureza semelhante;
e) Os edifícios de habitação unifamiliar que, pelas suas dimensões ou características arquitectónicas, não interessem ao mercado corrente da habitação;
f) Os fogos integrados em edifícios destinados pelas empresas a alojamento do seu pessoal e os que estão integrados em prédios rústicos e são normalmente destinados aos seus rendeiros;
g) Os fogos para habitação construídos para categorias populacionais determinadas, ao abrigo de regimes especiais;
h) Os fogos propriedade de emigrantes ou estrangeiros, desde que não tenha sido cometida por estes qualquer infracção ao disposto no Decreto-Lei n.° 445/74.

ARTIGO 3.º

1. As ocupações de prédios urbanos já levadas a efeito, não autorizadas pelos proprietários, destinadas a fins não habitacionais, só poderão subsistir se aquele estiver de acordo na celebração do contrato de arrendamento.
2. Porém, se tiverem um fim social e humanitário, reconhecido pelo Ministério da Administração Interna como necessário e eficaz, será obrigatória a outorga do respectivo contrato, com a renda que vier a ser fixada por avaliação nos termos legais.
3. No caso de o proprietário se recusar a outorgar no contrato, proceder-se-á pela forma prevista no n.° 4 do artigo 1.° deste diploma.
4. Exceptuam-se do disposto neste artigo os casos previstos nas alíneas a), 6), c), d), f), g) e h) do artigo 2.° deste diploma.

ARTIGO 4.º

1. O contrato de arrendamento celebrado nos termos deste diploma será regido pelas disposições da lei geral respeitantes ao arrendamento para habitação e incluirá sempre a cláusula de antecipação de um mês de renda.
2. Os arrendamentos reportar-se-ão à data do início da ocupação, devendo os inquilinos pagar as rendas em atraso no prazo máximo de seis meses a partir da data da entrada em vigor deste diploma.
3. As rendas serão pagas aos senhorios ou quem os represente, devendo ser depositadas na Caixa Geral de Depósitos no caso de haver recusa, ausência ou desconhecimento da sua identidade, retendo a câmara municipal o valor correspondente à antecipação da renda até que ocorra mora ou denúncia unilateral do arrendamento por parte do inquilino, constituindo a referida importância receita consignada da câmara.
ARTIGO 5.º

1. No prazo de trinta dias contados da data de notificação que para esse fim lhes seja feita, deverão os respectivos ocupantes despejar:

a) Os fogos que não devam considerar-se devolutos nos termos do n.° 2 do artigo 1.°;
b) Os fogos referidos no artigo 2.°;
c) Os prédios referidos no artigo 3.° e não legalizados no prazo de vinte dias.

2. A notificação prevista no número anterior será efectuada, de sua iniciativa ou a requerimento dos proprietários, pelas câmaras municipais ou, mediante delegação destas, pelas juntas de freguesia.
3. Serão despejados sumariamente por via administrativa os ocupantes que não cumpram o estabelecido no n.° 1 e, bem assim, aqueles que reconhecidamente possuam rendimentos ou usufruíssem situação habitacional anterior que os situe em flagrante oposição ao critério de justiça social que está na base destas legalizações.
4. O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável aos ocupantes de fogos devolutos que se recusem a assinar o respectivo contrato de arrendamento.
5. Sempre que a recusa referida no número anterior for devida ao facto de os ocupantes estarem, comprovadamente, impossibilitados economicamente de pagar a renda que foi fixada nos termos do n.° 6 do artigo 1.°, terão a faculdade de subarrendar parcialmente o fogo ocupado, não podendo os ocupantes cobrar ao subarrendatário renda proporcionalmente superior à do contrato.

ARTIGO 6.º

Não poderá ser recusado durante mais de 60 dias o arrendamento de qualquer fogo que tivesse sido destinado a habitação no último arrendamento ou que, não tendo sido nunca arrendado, se destine àquele fim, nos termos do respectivo projecto ou da licença de utilização a que se refere o artigo 8.° do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, devendo entender-se alterada nesse sentido a redacção de todos os artigos do Decreto-Lei n.° 445/74, de 12 de Setembro, que a tal prazo se reportem.

ARTIGO 7.°

1. Sempre que, relativamente a qualquer fogo destinado a habitação e sujeito à disciplina do Decreto-Lei n.° 445/74, de 12 de Setembro, o senhorio não tenha feito à competente câmara municipal a comunicação exigida pelo artigo 19.° do mesmo diploma, deverá aquele corpo administrativo, logo que tenha conhecimento da infracção, sem prejuízo do procedimento penal previsto na lei, promover o seu arrendamento nos termos dos números seguintes.
2. Estão sujeitos ao regime do número anterior os fogos declarados vagos, mas não arrendados no prazo do artigo 6.° do presente diploma.
3. A renda será fixada de acordo com o n.° 6 do artigo 1.° do presente decreto-lei.
4. Os arrendamentos dos fogos a que se refere este artigo serão celebrados com o inquilino que vier a ser designado pelas juntas de freguesia.
5. As juntas de freguesia organizarão, no prazo de vinte dias, a contar da publicação deste diploma, as listas dos fogos devolutos que existam na sua área e se encontrem nas condições referidas no n.° 1 deste artigo. Para este efeito as juntas de freguesia poderão considerar a participação dos moradores das respectivas áreas.
6. Os interessados no arrendamento dos fogos a que se refere este artigo deverão apresentar a sua pretensão na junta de freguesia que mais lhe convier, a qual tornará pública a lista dos pretendentes.
7. O processo de atribuição bem como a celebração dos contratos deverão estar terminados no prazo máximo de trinta dias a partir da data da inscrição oficiosa na lista a que se refere este artigo.

ARTIGO 8.º

Será punido com pena de prisão até dois anos aquele que ocupar qualquer fogo destinado a habitação, assim como qualquer loja, armazém ou dependência de qualquer prédio, ainda que em construção.

ARTIGO 9.º

1. Os fogos nos quais se verifiquem depredações dolosamente praticadas pelos proprietários, ou por ordem destes, que prejudiquem a sua habitabilidade poderão ser objecto, conforme a gravidade e a extensão dos danos produzidos:

a) De expropriação, nos termos do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 56/75, de 13 de Fevereiro;
b) De arrendamento, nos termos do presente diploma, pela câmara municipal, depois de mandadas executar obras de reparação necessárias.

2. As despesas feitas com a reparação prevista na alínea b) do número anterior serão cobradas pela câmara municipal; acrescidas de um juro de 11% ao ano, contado dia a dia, através da arrecadação das rendas correspondentes, até perfazer o montante despendido na execução das mesmas.

ARTIGO 10.º

1. A câmara municipal, findo o prazo de validade das licenças para obras de reparação e reconstrução de fogos devolutos, ordenará, nos dez dias subsequentes, a respectiva vistoria.
2. Verificado pela vistoria que as obras não foram iniciadas ou não estão concluídas, por facto imputável ao senhorio, a câmara municipal poderá substituir-se a este na sua execução.
3. Nos casos do número anterior, as despesas efectuadas pela câmara municipal serão cobradas pela forma indicada no n.° 2 do artigo precedente.

ARTIGO 11.º

1. Nas acções de despejo relativas a imóveis destinados a habitação fundadas em falta de pagamento de renda e que se encontram pendentes, o utente poderá evitar o despejo desde que, no prazo de trinta dias a contar da data da entrada em vigor do presente diploma, proceda ao pagamento ou depósito da totalidade das rendas em dívida.
2. Para o efeito do disposto no número anterior, ficarão suspensas, durante o prazo no mesmo estabelecido, as acções de despejo que nele se referem.

ARTIGO 12.º

O presente diploma entra imediatamente em vigor.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Vasco dos Santos Gonçalves - António Carlos M. Arnão Metelo - Francisco Salgado Zenha - José Augusto Fernandes.

Promulgado em 14 de Abril de 1975. 

Publique-se. 

O Presidente da República - Francisco da Costa Gomes.

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