Coleções - Legislação - Vasco Gonçalves (lº de Maio de 1975)

VASCO GONÇALVES

(1.° DE MAIO DE 1975)

Estamos comemorando o 1.° de Maio. É um dia de unidade, de alegria pelas vitórias alcançadas. Mas é também um dia de análise dos nossos problemas, das nossas inquietações, um dia de tomada de consciência das nossas responsabilidades para vencer os obstáculos que se nos deparam.
Digo das nossas responsabilidades, pois os trabalhadores, através do seu esforço, da sua luta, têm desempenhado um papel fundamental na Revolução iniciada em 25 de Abril para libertação de todo o povo português.
Se, até agora, tem sido fundamental, a sua acção será, a partir de agora, decisiva para o avanço do processo. Repito: a acção dos trabalhadores ê decisiva para a liberdade do povo português.
E para que tomemos plena consciência, façamos uma análise clara do que se passou desde que, há um ano, comemorando o início da nossa libertação, o povo deu a sua adesão total ao 25 de Abril, mostrando claramente estar ao lado do MFA. Foi esse 1.° de Maio, sem dúvida, o dia em que se iniciou verdadeiramente a aliança Povo-MFA. A aliança que tem permitido vencer as grandes dificuldades que já passámos.

Salientemos:

A crise Palma Carlos, em que também estava envolvido o ex-general Spínola e alguns dirigentes políticos então proeminentes. Derrota das forças que queriam reduzir o 25 de Abril a simples golpe de Estado, O 28 de Setembro, primeiro ataque em forma da reacção, em que a pretexto de uma manifestação da chamada «maioria silenciosa» de apoio ao ex-general Spínola, os sectores mais reaccionários do capital monopolista e latifundista pretendiam criar condições para a tomada do poder e fazer regressar a nossa Pátria ao fascismo.
Na altura, o ex-general Spínola, no acto de renúncia ao cargo de presidente da República, pronunciou um discurso em que, criminosa e traiçoeiramente, tentou lançar portugueses contra portugueses.
O 11 de Março, em que os reaccionários, que há muito conspiravam, lançaram camaradas de armas contra camaradas de armas, o que, neste momento, é a maior traição que se pode cometer contra a nossa Pátria.
Uma campanha de boatos, tentando fazer acreditar que o MFA faltaria ao seu programa, não realizando as eleições. A ordem e o civismo com que tudo decorreu mostram bem como, mais uma vez, a reacção não passou.
Estes obstáculos que vencemos ensinam-nos muita coisa. Principalmente, que cada dificuldade que se nos depara, depois de vencida, é um passo em frente que damos: nós avançamos combatendo os nossos inimigos.
Foi ao vencer-se a crise Palma Carlos que criou condições para o reconhecimento do direito dos povos à autodeterminação e à independência, facto que trouxe de imediato ao povo português e aos povos das antigas colónias o fim da guerra.
Foi o vencer-se o 28 de Setembro que estreitou a aliança Povo-MFA, criando condições para uma maior clarificação do processo revolucionário e, como consequência mais notável, a subida à Presidência da República do general de maior prestígio das nossas Forças Armadas, o homem que o Movimento tinha escolhido, ainda na fase clandestina, para seu presidente: o nosso general Costa Gomes.
O vencer-se o 28 de Setembro criou também condições para o início da Dinamização Cultural, saída aberta do MFA ao encontro do povo, que tem tido influência decisiva no estreitamento da aliança Povo-MFA e esclarecimento e politização das Forças Armadas e do povo Português.
Foi o vencer-se o 11 de Março que deu novo impulso à Revolução, levando a nova assembleia do MFA, reunida nessa mesma noite, com a presença de oficiais, sargentos e praças, a abrir caminho para as grandes medidas que se seguiram. Institucionalização do MFA, criação do Conselho da Revolução, decisão da nacionalização da banca, dos seguros e sectores básicos da nossa economia, início da reforma agrária e definição da opção socialista para a revolução portuguesa.
Além disso, o 11 de Março permitiu o afastamento de sector spinolista, responsável por todas as tentativas de divisão dentro das Forças Armadas, a prisão de representantes dos sectores reaccionários do capital monopolista e latifundista, a fuga de outros grandes responsáveis pelo boicote económico e desvio de capitais para o estrangeiro.
O 11 de Março criou também condições mais favoráveis ao povo português no campo político e económico, condições para que, como diz o Conselho da Revolução, «os trabalhadores sintam que a economia já não lhes é estranha, ou seja, que a construção socialista da economia é tarefa deles e para eles. Isto implica a afirmação clara de princípio de controlo organizado da produção pelos trabalhadores para objectivos de produção e eficiência, coordenados pelos órgãos centrais de planeamento, segundo esquemas a definir com brevidade.
A campanha de boatos alarmistas, que faziam correr de não se realizarem as eleições, teve como consequência unicamente salientar a política de honra e verdade em que o MFA está empenhado, através do cumprimento fiel ao seu programa, salientar, devido à grande afluência às urnas, que o povo está com o MFA; salientar que as análises que o MFA fez sobre a realidade portuguesa são correctas e que as palavras de ordem do MFA são justas e se adaptam às condições do nosso povo, salientar a opção do povo português pelas liberdades democráticas, pela aliança com o MFA, pela democracia, pelo socialismo.
Salientar a consagração pelo povo português do pacto estabelecido entre o MFA e os partidos da coligação, em que todos estamos empenhados e que enuncia com clareza e sem ambiguidades os caminhos futuros da nossa Pátria.
Estamos caldeados pela luta, como acabamos de ver, e não são as dificuldades que nos metem medo, pois, vencidas que sejam, andamos para a frente.
Temos é que ter sempre presente quem é o inimigo principal, quais são as dificuldades mais importantes a vencer, para lhes darmos combate.
A opção socialista é difícil de trilhar, pois há muitas vezes que conciliar o que parece inconciliável, desfazer contradições que parecem irredutíveis, arranjar unidade onde parece haver desunião.
Temos de observar a nossa realidade, descobrir soluções originais. Na história, não há factos repetidos, e o nosso caso é único. A realidade que temos perante nós é a que vemos e vivemos com as contradições e dificuldades que sentimos, e mais nada.
Quem é o nosso inimigo principal? O nosso inimigo principal é o fascismo e a reacção.
Mas, no fundo, temos de discernir, neste momento, quais as brechas, por onde eles podem penetrar. Está em causa, fundamentalmente, a nossa estrutura económica. Ela está doente, doença que já vem do tempo do fascismo. É uma herança que temos, mas cujo estado se agravou, devido à sabotagem económica, à crise do capitalismo e também ao próprio desenvolvimento do processo revolucionário.
A nossa crise económica é, neste momento, o obstáculo fundamental a vencer. É a nossa grande dificuldade. E o tempo que temos para a vencer é limitado.
Ou recuperamos, por nós próprios, com o nosso esforço ou comprometeremos gravemente a marcha do nosso processo revolucionário, o futuro da nossa Pátria. Estariam á vista o regresso do fascismo, a dependência económica, a perda das liberdades.
A nossa luta é decisiva. Apelo, aqui a todos os trabalhadores, a todos os patriotas, para que se lancem na batalha da produção, de cuja vitória depende o futuro da Revolução.
A batalha da produção é uma etapa necessária para vencer a crise económica e criar condições para o futuro desenvolvimento da economia, numa via para o socialismo.

O desencadeamento da batalha da produção é, portanto, uma necessidade imediata e imperiosa nas actuais condições.
O papel principal nesta batalha da produção pertence a vós, trabalhadores que, hoje, dadas as medidas já tomadas contra o capital monopolista e latifundiário, no sentido do domínio pelo Estado de sectores básicos da produção e do arranque da reforma agrária, têm a garantia que o seu trabalho e a sua opção reverterão em benefício da colectividade e não em benefício das classes privilegiadas.
Que pede, então, o MFA aos trabalhadores?
Coesão e unidade em torno de objectivos verdadeiramente nacionais, objectivos estes em cuja determinação participarão; subalternização das lutas políticas partidárias, no seio das organizações sindicais; lucidez em face da realidade nacional; realismo reivindicativo; análise e discussão ideológica da proposta esquerdista e anarquizante e dos perigos a que pode conduzir a sua falta de capacidade real para a solução dos problemas correntes; combate aturado aos divisionistas e provocadores; trabalho militante e exemplarmente revolucionário;
encarar a valorização profissional como uma opção verdadeiramente revolucionária; compreensão de que, sem a reconstituição do aparelho económico e do aparelho do Estado, sem o desenvolvimento económico, não é possível, nem ao Governo Provisório nem ao MFA corrigir as graves distorções salariais herdadas do fascismo.
No domínio das nossas possibilidades actuais, cabe apenas tentar diminuir as desigualdades mais gritantes e não permitir o agravamento dessas mesmas distorções salariais. Mas as distorções não devem ser motivo para lançar os trabalhadores uns contra os outros, quer sejam do sector público, quer sejam do sector privado. Os trabalhadores devem estar constantemente vigilantes contra as divisões que os inimigos da revolução procuram introduzir no seu seio a pretexto das distorções salariais.
Uma visão do saneamento que incida mais nas estruturas que nas pessoas, pois nós necessitamos de estruturas capazes e eficientes, as quais, por si próprias possibilitarão a colocação das pessoas de harmonia com as suas capacidades.
Isto não obsta a que sejam saneados aqueles que se opõem ao desenvolvimento do nosso processo revolucionário, quer pela obstrução política, quer pela incompetência, falta de idoneidade ou comprometimento com o fascismo.
Uma verdadeira justiça revolucionária exige que o saneamento se não faça com base em ódios recalcados, ambições de promoção, razões de carácter pessoal.
É preciso saber distinguir as atitudes passíveis de processo disciplinar das passíveis do processo de saneamento.
Nesta batalha da produção os trabalhadores devem, mais do que ninguém, pois é sobre eles que, em aliança com o MFA, incide a maior parte da tarefa da reconstrução da nossa Pátria, ter a lucidez suficiente e a maturidade política necessária para, a cada momento, saberem definir rigorosamente quem são os seus aliados.
Consciência de que os pequenos e certos médios empresários, na actual fase de desenvolvimento do processo revolucionário, têm objectivos que são comuns aos trabalhadores.
A batalha da produção exige, de todos nós, mais trabalho, mais imaginação criadora, procura de soluções mais económicas para os problemas e mobilização revolucionária no trabalho. O povo deve procurar em si toda a capacidade criativa que possui. O MFA e o Governo Provisório estimularão a criatividade popular, certos de que ela é indispensável na construção do novo Portugal. Neste campo continuarão a desempenhar papel fundamental as Campanhas de Dinamização Cultural e Cívica, desenvolvidas pelas Forças Armadas. É necessário promover uma autêntica revolução cultural no seio do nosso povo, abrir o nosso povo a ideias novas.
É necessário que as empresas de ponta dêem exemplos revolucionários de trabalho. Estas empresas devem constituir a vanguarda da batalha da produção. Os trabalhadores das empresas nacionalizadas e das empresas públicas devem fazer delas modelos de rentabilidade.
Constitui dever de honra e prova de fervor revolucionário por parte dos trabalhadores de empresas como os CTT, os TLP, a CP, o Metropolitano, os Serviços Municipalizados, a Carris, etc., a sua transformação de empresas altamente deficitárias, em empresas rentáveis que, em lugar de serem pesadas à economia portuguesa, passem a ser fontes de receitas da colectividade.
É necessário que os trabalhadores das empresas nacionalizadas saibam que as mais-valias por eles criadas pertencem à colectividade, ao conjunto de que fazem parte e que é o povo português. Essas mais-valias devem ser aplicadas no desenvolvimento económico, que se traduz na criação de novos postos de trabalho.
A par desta atitude, também é necessário não esquecer que a construção de uma nova sociedade leva tempo.
Há que ver as coisas com calma, lucidez. Há que estar disposto a sacrificar-se pela revolução. É necessário que os trabalhadores e o povo português se consciencializem que nós seremos a geração do sacrifício da Revolução Portuguesa.
A batalha da produção passa também pelo aumento da produção agrícola, o qual passa pela reforma agrária. Na sua execução não esquecemos as características do nosso País, nem a diferente divisão da propriedade. No Norte, tratar-se-á mais de uma reconversão agrária, com o apoio dos movimentos associativos e cooperativistas que surjam; no Sul, haverá expropriação de terrenos, nos termos já anunciados pelo sr. ministro da Agricultura.
Podem os camponeses, os pequenos e médios agricultores, estar certos de que o MFA e o Governo Provisório os apoiam e tudo farão para ajudar a transformação do sector onde os efeitos perniciosos do anterior regime se fazem sentir.
Da parte dos camponeses esperamos a adesão total ao espírito do 25 de Abril, ou seja, a tarefa de reconstrução da nossa Pátria. Nesse sentido, os camponeses devem abrir-se às ideias novas do associativismo e ao cooperativismo e devem lutar por abandonar o peso de um passado em que os governantes tudo fizeram para os manter na ignorância e na miséria.
O MFA está disposto a empenhar todas as suas forças na batalha da produção. Chegou a altura de perguntar:
Estão ou não estão os trabalhadores interessados nesta batalha que levará à reconstrução da nossa Pátria?

Espero ter sido claro.
O principal obstáculo consiste em vencermos todo o conjunto de problemas que enunciei e que resolvidos abrem caminho para a vitória.
Eles são decisivos, porque a batalha é decisiva.
A vitória está nas nossas mãos.
Se ganharmos, avançaremos decisivamente no caminho do socialismo.
Está, pois, mais uma vez, nas nossas mãos, dependente de nós, a liberdade do nosso povo.
A aliança Povo-MFA vencerá este novo desafio.
Trabalhadores de Portugal, verdadeiros e sinceros camaradas do MFA, desejo-vos os maiores êxitos no vosso trabalho criador. Vivam os trabalhadores de todo o Mundo. Vivam os trabalhadores estrangeiros que se fizeram representar e colaboraram na nossa festa. Viva a Intersindical Nacional. Vivam os trabalhadores portugueses. Viva o MFA. Viva a inquebrantável aliança do Povo-MFA. Viva a Nossa Pátria.

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