Coleções - Legislação - Gestão democrática do ensino superior (Dec.-Lei 806/74 de 31 de Dezembro)

GESTÃO DEMOCRÁTICA DO ENSINO SUPERIOR

DECRETO-LEI N.° 806/74, DE 31 DE DEZEMBRO

Em resultado do 25 de Abril, as formas autoritárias de governo dos estabelecimentos de ensino superior foram, em movimentos espontâneos, substituídas por formas de tendência democrática extremamente variadas. O Decreto-Lei n.° 221/74, de 27 de Maio, limitou-se a pôr no lugar da antiga direcção (direcção e conselho escolar) uma comissão directiva ou de gestão, desde que democraticamente eleita, remetendo para ulterior legislação as definições quer dos requisitos a que deveria obedecer tal eleição, quer dos demais órgãos da vida do estabelecimento. Essa indefinição, a prolongar-se, não poderia deixar de acarretar inconvenientes, porquanto, se é certo que também não convém cair na uniformidade de soluções, há, todavia, que conseguir uma certa coerência, de modo a garantir a supremacia do interesse nacional.
Chegou, por conseguinte, o momento de institucionalizar a democratização dos estabelecimentos de ensino superior, aproveitando o que de válido tem havido nas diversas experiências tentadas. Procura-se assim dar firmeza às estruturas representativas, afastando as formas autocráticas de direcção da escola, mas assegurando a eficácia do funcionamento e a plena rentabilidade do trabalho de docentes, discentes e investigadores. A escola é uma unidade viva de colaboração, em que a indispensável divisão de funções não deve obstar a uma participação de todos numa tarefa comum. E é como local de trabalho efectivo, ao serviço da Nação e prestando perante a Nação contas do seu trabalho, que há que organizar a escola.
O projecto inicial de institucionalização democrática foi submetido a amplíssima discussão em todos os estabelecimentos de ensino superior e depois reformulado de maneira a atender às críticas e sugestões recebidas.

Nestes termos:

Usando da faculdade conferida pelo artigo 16.°, n.° 1, 3.°, da Lei Constitucional n.° 3/74, de 14 de Maio, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
CAPITULO I 

Órgãos de gestão dos estabelecimentos de ensino superior

ARTIGO 1.º

Os órgãos de gestão dos estabelecimentos de ensino superior são os seguintes:

a) Assembleia de escola ou assembleia de representantes, caso esta tenha sido instituída pelo regulamento;
b) Conselho directivo;
c) Conselhos pedagógico e científico.

CAPITULO II

Assembleia de escola

ARTIGO 2.º

A assembleia de escola será constituída pelos docentes, investigadores não docentes, estudantes e funcionários técnicos, administrativos e auxiliares da escola.

ARTIGO 3.º

A assembleia de escola poderá delegar os seus poderes numa assembleia de representantes, na qual estarão representados docentes e investigadores não docentes; estudantes e funcionários, não podendo a representação dos estudantes exceder em número a dos docentes e investigadores, nem a dos funcionários contar com um número de elementos superior a uma quarta parte do total dos membros da assembleia.

ARTIGO 4.º

1. A eleição de representantes far-se-á por escrutínio secreto dos corpos representados, elegendo cada um destes separadamente os seus representantes.
2. A eleição decorrerá durante o primeiro mês de cada ano lectivo, em data a fixar, com a antecedência mínima de duas semanas, pela assembleia de cada corpo, devendo esta assembleia definir, dentro dos limites estabelecidos neste diploma, o regulamento eleitoral, o qual fixará normas sobre número mínimo de votantes e sua identificação.
3. Para efeito de votação, os monitores licenciados são incluídos na assembleia de docentes e de investigadores não docentes e os monitores não licenciados na de estudantes.
4. As urnas manter-se-ão abertas durante, pelo menos, doze horas.
ARTIGO 5.°

1. A assembleia de escola será convocada pelo conselho directivo:

a) Por sua própria iniciativa;
b) Por iniciativa da assembleia de representantes, no caso de esta existir;
c) Por iniciativa da assembleia de qualquer dos corpos.

2. A convocatória será feita por editais afixados nos lugares do estilo, com uma antecedência mínima de três dias, salvo no caso de convocatória urgente de iniciativa do conselho directivo, para o qual se estabelece uma antecedência mínima de um dia.
3. Dos editais deverão constar a data, hora e local da reunião, bem como a ordem dos trabalhos.

ARTIGO 6.º

1. Os trabalhos da assembleia de escola serão orientados por uma mesa eleita, com representação dos três corpos participantes, constituída por um presidente, um vice-presidente e dois secretários, cabendo a estes últimos a elaboração das actas.
2. As actas das sessões poderão ser consultadas por qualquer dos membros da assembleia.

ARTIGO 7.º

1. As deliberações da assembleia de escola são tomadas por maioria dos votos expressos, dispondo cada corpo do direito de veto.
2. A deliberação de exercer o direito de veto deverá ser tomada em assembleia de corpo, expressamente convocada para este efeito, realizada no prazo de três dias, a contar da data da deliberação a vetar, devendo a proposta de veto obter voto favorável de, pelo menos, dois terços dos presentes.
3. A deliberação vetada tornar-se-á, todavia, definitiva se a assembleia de escola, expressamente convocada para o efeito, nos cinco dias subsequentes ao da interposição do veto, a confirmar por maioria superior a três quartos dos votos expressos.

ARTIGO 8.º

1. As normas de convocação e funcionamento da assembleia de representantes são as que regem a assembleia de escola, salvo o disposto nos números seguintes.
2. A assembleia de representantes pode ser convocada pelo conselho directivo ou por uma quarta parte dos seus membros.
3. As deliberações da assembleia de representantes não são passíveis de veto.

ARTIGO 9.º

1. São atribuições da assembleia de escola ou da assembleia de representantes em que aquela as delegue:

a) Estabelecer, dentro dos limites da lei e dos planos de orientação educativa e científica superiormente estabelecidos, as bases gerais da acção cultural, científica e pedagógica da escola;
b) Apreciar o relatório anual do conselho directivo.

2. As bases gerais de acção da vida da escola, estabelecidas nos termos do n.° 1, representam linhas de orientação do conselho directivo, ao qual caberá decidir da sua exequibilidade administrativa, financeira e pedagógica.
3. O juízo de inexequibilidade a que se refere o número anterior será sempre fundamentado.

CAPITULO III 

Conselho directivo

ARTIGO 10.º

1. O conselho directivo será constituído por representantes dos docentes e investigadores não docentes, estudantes e funcionários.
2. O número dos seus membros será estabelecido pela assembleia de escola, sem prejuízo dos critérios fixados na parte final deste artigo, tendo em conta tanto a dimensão e complexidade da escola como as exigências de eficácia.
3. A representação dos estudantes no conselho directivo não será superior em número à dos docentes e investigadores não docentes e a representação dos funcionários não excederá uma quarta parte do número total de elementos do conselho.

ARTIGO 11.°

A eleição dos membros do conselho directivo far-se-á nos termos definidos no artigo 4.°
ARTIGO 12.º

1. Um dos membros docentes do conselho directivo será o seu presidente, que em caso de impedimento delegará as suas funções noutro membro do conselho.
2. Compete ao presidente do conselho directivo presidir às sessões, representar externamente a escola, fazer cumprir o orçamento e prestar contas de gerência e despachar os assuntos correntes.
3. As sessões do conselho directivo serão secretariadas pelo secretário da escola, que redigirá a acta.
4. As actas de cada sessão deverão ser aprovadas no início da sessão subsequente.

ARTIGO 13.°

1. As deliberações do conselho directivo serão tomadas por maioria da votos, estando presentes metade e mais um dos seus membros.
2. Para deliberar sobre assuntos de natureza cientifica, ou ao exercer a competência que lhe é atribuída pela legislação referente a provas de doutoramento, o conselho directivo deverá obter o parecer do conselho científico, o qual só poderá deixar de ser seguido se a isso se opuserem, pelo menos, dois terços dos seus membros.
3. Para deliberar sobre assuntos de natureza pedagógica o conselho directivo deverá obter parecer do conselho pedagógico, e ao exercer a competência que lhe é atribuída pela legislação referente ao recrutamento do pessoal docente, o conselho directivo deverá obter parecer conjunto doa conselhos pedagógico e científico; estes pareceres só poderão deixar de ser seguidos nos termos do número anterior.

ARTIGO 14.º

1. O conselho directivo reunirá ordinariamente, de forma periódica, e de acordo com calendário adaptado às circunstâncias da escola.
2. Extraordinariamente, o conselho directivo poderá ser convocado por escrito e com antecedência mínima de quarenta e oito horas pelo seu presidente ou por um terço dos seus membros.
3. Em caso de urgência, o conselho poderá reunir com dispensa do prazo mínimo de convocatória fixado pelo n.° 2, desde que esteja assegurada a convocação de todos os membros.

ARTIGO 15.º

São atribuições do conselho directivo:
a) Decidir, dentro dos limites da lei, dentro dos planos de orientação superiormente definidos e das directivas da assembleia de escola ou da assembleia de representantes que a substitua, sobre todas as questões que interessem à vida escolar;
b) Propor às entidades competentes soluções para os assuntos sobre que não tenha competência para decidir, nomeadamente planos de estudo, contratos de pessoal docente e não docente, métodos de apreciação do trabalho dos alunos e condições de ingresso na escola;
c) Elaborar o projecto de orçamento a ser apresentado ao Ministério;
d) Elaborar o relatório de gerência a apresentar à assembleia de escola;
e) Constituir, ouvidos os conselhos pedagógico e científico, comissões permanentes encarregadas de superintender na gestão da biblioteca e dos equipamentos científico, audiovisual e oficinal;
f) Exercer a competência disciplinar atribuída por lei aos órgãos directivos da escola.

ARTIGO 16.°

O conselho directivo será responsável perante o Estado pelo cumprimento da lei e das normas regulamentares, respondendo os seus membros solidariamente pelas deliberações ilegais ou contrárias aos princípios da correcta gestão financeira a que se não tenham oposto.

ARTIGO 17.º

Ao conselho directivo será atribuída uma gratificação global a fixar por despacho ministerial, cabendo ao conselho efectuar a sua distribuição pelos seus membros, de acordo com critérios a estabelecer internamente.

ARTIGO 18.°

O mandato do conselho directivo será de um ano, devendo a sua constituição ser comunicada ao Ministério da Educação e Cultura.

ARTIGO 19.º

1. É permitida a resignação dos membros do conselho directivo.
2. Perderá o seu lugar o membro do conselho directivo que, sem motivo justificado, faltar a duas sessões ordinárias consecutivas ou a quatro interpoladas.
3. No caso de vacatura de um lugar, o respectivo corpo deverá promover a eleição de um novo representante.
4. Quando ficarem vagos mais de metade dos lugares da representação de um dos corpos, proceder-se-á a nova eleição de todos os representantes desse corpo no prazo máximo de uma semana, a contar da data da última vaga.

CAPITULO IV 

Conselhos pedagógico e científico

ARTIGO 20.º

1. O conselho pedagógico é constituído por docentes, investigadores não docentes e estudantes, devendo assegurar uma representação equilibrada de departamentos, e, ainda, por delegados dos organismos mais representativos das profissões para as quais a escola dá a formação.
2. A representação dos docentes e investigadores não docentes deverá assegurar a participação das várias categorias existentes.
3. A representação dos estudantes deverá assegurar a participação dos alunos dos vários anos, não podendo ser, em número, superior à dos docentes e investigadores não docentes.
4. A eleição dos representantes dos docentes e dos estudantes será feita por escrutínio secreto dos membros dos corpos representados.
5. O conselho pode funcionar em plenário ou por comissões.

ARTIGO 21.°

1. Compete, nomeadamente, ao conselho pedagógico fazer propostas ou dar parecer acerca dos seguintes pontos:

a) Planos de estudo;
b) Orientação pedagógica e métodos de avaliação do rendimento escolar;
c) Coordenação interdepartamental no domínio pedagógico;
d) Aquisição de material didáctico e 'audiovisual ou bibliográfico de interesse pedagógico.

ARTIGO 22.°

O conselho científico é constituído por docentes e investigadores não docentes, assegurando a participação das várias categorias existentes, bem como dos vários departamentos.
ARTIGO 23.°

Compete, nomeadamente, ao conselho científico fazer propostas ou dar parecer acerca dos seguintes pontos:

a) Regime das provas de doutoramento e nomeação dos respectivos júris;
b) Coordenação interdepartamental no domínio científico;
c) Aquisição de equipamento científico, bibliográfico e oficinal.

ARTIGO 24.º

1. Nas escolas em que se não justifique a constituição separada de conselhos pedagógico e científico poderá ser constituído um único conselho pedagógico e científico com uma composição idêntica à prevista no artigo 20.°
2. Neste caso, os representantes dos estudantes e dos organismos profissionais não terão direito de voto na decisão das questões referidas no artigo 23.°

CAPITULO V 

Secretário

ARTIGO 25.º

1. Em cada escola ou Faculdade haverá um lugar de secretário, de categoria correspondente à letra G, no qual será provido, por proposta do conselho directivo e mediante nomeação ministerial, um licenciado com um curso de Direito, Economia, Gestão ou Administração.
2. Os secretários das escolas ou Faculdades serão providos em comissão de serviço ou contratados por períodos, renováveis, de três anos.

ARTIGO 26.º

1. São atribuições do secretário:

a) Coordenar os serviços da secretaria;
b) Assistir tecnicamente o conselho directivo;
c) Organizar e manter em dia o serviço de estatística da escola;
d) Zelar, dentro das orientações Definidas pelos órgãos de gestão da escola, pela conservação e conveniente utilização dos bens móveis a ela afectos.
2. O parecer emitido pelo secretário estabelecido na alínea d) deve constar da acta, quando a deliberação não lhe tiver sido conforme.

CAPITULO VI 

Disposições finais

ARTIGO 27.º

1. Os estabelecimentos anexos às Faculdades ou Escolas terão direcções palitarias constituídas por:

a) Funcionários e investigadores do estabelecimento;
b) Docentes das disciplinas mais estreitamente ligadas às actividades científicas do estabelecimento.

2. Os estudantes podem participar na gestão destes estabelecimentos, nos termos que vierem a ser definidos pelo conselho directivo da escola, desde que tenham uma intervenção relevante na actividade do estabelecimento anexo, não podendo a sua participação exceder um quarto do número total.
3. A actividade dos estabelecimentos anexos deverá decorrer nos termos das orientações gerais emanadas dos órgãos de gestão das Faculdades ou escolas a que estão anexos.

ARTIGO 28.º

1. Nos estabelecimentos de ensino onde existam ou venham a ser criados departamentos a direcção respectiva caberá a uma comissão eleita pelos componentes do departamento, de acordo com os critérios definidos para o conselho directivo da escola.
2. A criação de departamentos poderá ser feita por despacho ministerial, sob proposta das escolas ou Faculdades.
3. Os órgãos de gestão dos departamentos estão sujeitos às orientações gerais definidas pelos órgãos de gestão da escola ou Faculdade.
4. Nos departamentos serão criados conselhos científicos e pedagógicos, organizados em moldes semelhantes aos definidos para os correspondentes órgãos das escolas.

ARTIGO 29.°

Os estabelecimentos universitários directamente dependentes das reitorias e que não possam ser considerados como escolas terão direcções individuais ou colectivas nomeadas pelo reitor, podendo a nomeação recair em pessoas propostas pelos utentes ou pelos funcionários respectivos.
CAPITUDO VII

Disposições transitórias

ARTIGO 30.º

1. O Ministro da Educação e Cultura determinará, por despacho, o prazo para a constituição dos órgãos de gestão previstos neste decreto-lei para o presente ano lectivo.
2. A assembleia da escola destinada a decidir da composição dos conselhos directivo, pedagógico e científico será convocada pelas actuais comissões provisórias de gestão.

ARTIGO 31.º

As disposições deste decreto-lei poderão ser integradas por regulamentos internos de cada escola ou departamento.

ARTIGO 32.º

Até à tomada de posse dos novos órgãos de gestão manter-se-ão em funcionamento as comissões provisórias de gestão constituídas com base no Decreto-Lei n.° 221/74, de 27 de Maio.

ARTIGO 33.º

Enquanto não for publicada legislação que regule a constituição dos órgãos do governo das Universidades, os poderes que competiam aos antigos órgãos de governo serão exercidos pelos reitores, que poderão constituir, com representantes dos conselhos directivos das escolas dependentes, comissões universitárias, destinadas a coadjuvar a comunidade dos docentes, investigadores, estudantes e funcionários da Universidade.

ARTIGO 34.º

Quaisquer dúvidas surgidas na interpretação ou aplicação deste decreto-lei serão resolvidas por despacho ministerial.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Vasco dos Santos Gonçalves - José da Silva Lopes - Manuel Rodrigues de Carvalho.

Promulgado em 31 de Dezembro de 1974. 

Publique-se. 

O Presidente da República, Francisco da Costa Gomes.

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